terça-feira, 23 de outubro de 2012

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 28 de Novembro de 2000 - Eu acho que Manuel Maria Carrilho tem razão. Fundamentalmente, somos medíocres e invejosos e quando alguém se afirma contra a nossa mediocridade, leva rótulo de arrogante. Não sei se estou a tresler ou a interpretar correctamente o ex-ministro da cultura, porque li “Jogos de Racionalidades” de forma apressada. Mas Carrilho é aqui mero pretexto para recuperar um escrito de 1994, que aqui deixo com as inevitáveis emendas e acrescentos.
      Em Portugal, não há invejosos. Perguntem a cada indígena se é invejoso e verão a resposta que obtêm. Que não, que é sentimento que não experimentam, mas que têm vizinhos com esse maldito defeito, a que também chamam “dor de cotovelo” e “dor de corno”. Quanto a esta última expressão não a voltarei a repetir, devido ao respeito que devo à pátria de Fernando Pessoa, ainda que nela se tenham expressado bastardos como Bocage e Natália Correia e também ao sentimento de nojo que nos devem merecer todos aqueles que, atraiçoados devida ou indevidamente pelas consortes, sofrem, para além da própria “coita” individual, o opróbrio de uma sociedade mexeriqueira e mesquinha.
     Estou firmemente convencido de que os portugueses e as portuguesas - a ordem é arbitrária - no que concerne às coisas boas da vida, são invejosos. E eu não posso excluir-me. Invejamos a loira que coube em sorte ao nosso vizinho do quinto andar; invejamos a bruta vivenda do nosso amigo, ainda que gostemos de lá ir a pretexto de um copo e de dois dedos saudosos de conversa; invejamos o BMW, último grito, adquirido pelo proprietário do supermercado onde compramos as cervejolas; invejamos o cargo de direcção ocupado por um antigo condiscípulo, que nunca dera nas vistas enquanto estudante, mas que teve inteligência para ir desbravando caminhos, atropelando tudo e todos; invejamos até, pasme-se, um naco de prosa escorreita e telúrica como a que produziu Miguel Torga. Obviamente que só invejamos as coisas boas, porque as más..., essas, que fiquem para os outros! É como na história do bêbado, todos reparam nos copos que bebe, mas poucos se ralam com os trambolhões que dá.
     Para além dos execráveis prestamistas, que constituem a mais abominável casta de invejosos; há aqueles que, sendo tão invejosos como os restantes, andam permanentemente a falar de justiça, como se fosse possível realizá-la, a partir de um sistema que só sabe gerar injustiça. Aprendi a desconfiar, há muitos anos, daqueles que por tudo e por nada falam de justiça.
     Para terminar, quero abordar o problema da competição. Penso que esta é salutar, desde que não seja embotada pela inveja. E sobretudo, se não derrogar os antigos códigos éticos. Porque a competição que condena o indivíduo a viver no seu metro quadrado e com os olhos permanentemente cravados no próprio umbigo, capaz de cilindrar o adversário na curva mais apertada, faz deste competidor um ser mais abominável que o próprio invejoso.

Sem comentários:

Enviar um comentário