segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

LISBOA - 2


Foto: Wikipédia

Um tal Fernando Pessoa...
Que não era pensador,
Pensava por aí à toa,
Com ironia e rigor.

Travestido de Caeiro,
Ah, tinha tanta piada!...
Era alegre e galhofeiro,
Fingia não pensar nada.

Quando de Reis se vestia,
Era Horácio em pessoa.
As coisas que ele dizia,
Velho romano em Lisboa.

Ah, sempre tão sonolento,
Cansado, Campos dizia,
Com tristeza e desalento,
Que da vida nada queria!

Pessoa só não sabia
Amar Ofeliazinha:
Por isso, tanto escrevia…
Ela?! Pobre tiazinha!

in QUADRAS QUASE POPULARES, Ulmeiro, Lx., 2003

domingo, 25 de fevereiro de 2018

CESÁRIO VERDE




Desenho de Rafael Bordalo Pinheiro


Descer a Guerra Junqueiro,
De manhãzinha, em Agosto.
É bom. Não custa dinheiro
E deixa-me bem disposto.

Como Cesário vejo
As feridas da cidade;
E não raro sinto pejo
De tanto luxo e vaidade.

Eu lembro-me do poeta
Pelas ruas a caminhar.
Trazia sempre a paleta
Para Lisboa pintar.

Era poeta e pintor,
Amigo da populaça
Cesário!... Um senhor
Tão sensível à desgraça.

Tinha aquela mania
De passear por Lisboa…
Quadros e fotos fazia,
Com palavras, numa boa.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

DESCIA A RUA




FILIPA BARATA

Descia a rua com passos incertos àquela hora da tarde de um Outono pálido e inodoro. Pensava nas coisas que aconteciam à sua volta e de como isso não a incomodava minimamente. Seria egoísmo? Perguntava-se.
A noite passada deitara-se tarde. Tinha fumado bastante e sentia agora as consequências disso. Sentia-se ligeiramente ensonada. Apanhar o autocarro ou um táxi? Quem era aquele homem solitário posto à beira de um passeio? Em que pensava? Andar pela rua tornara-se de facto, em certos dias, insuportável. Assistir à miséria de quem pede, acenando com coisas que por vezes nem chegamos a saber ao certo o que são com medo de vermos. Com medo de ficarmos com os olhos demasiado abertos. Não esses que temos na cara, mas os que guardamos dentro de nós.

Uma profusão de olhos dentro da barriga que nem sempre nos impedem de fazer coisas erradas.

Como se arquitectam frases? Como projectar sentidos? Linhas de mãos e pés, dedos sobre as coisas do corpo que não oferece resistência

Empresto a boca ao som que quer sair

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

DÁDIVA DIVINA




“Uma vida sem amor
não é vida não é nada”;
é ‘ma coisa sem sabor,
é ‘ma coisa desgraçada.

Amor, dádiva divina,
bem digo todos os dias.
Amar é a minha sina,
minha fonte de alegrias.

Quisesses tu, meu amor,
Viajar neste veleiro;
Ir, ao frio e ao calor,
Conhecer o mundo inteiro.


terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

COMO CRIANÇA

Filipa Barata

concluo do sangue
uma verdade inexprimível
sem som
que corre apenas
ao ritmo
da palavra
que se ergue
titubeante

como criança
pequena sílaba
incerta
procura a boca
que a diga

nem sempre procura
forma
quer às vezes
correr devagar
em silêncio
pelos corredores
do corpo

caminhar simplesmente
com os pés
assentes em algum
chão

in "PALAVRAS SEM CICATRIZES-POEMAS DE E PARA FILIPA BARATA", Edições Alecrim,
Santa Iria de Azóia, 2015.


domingo, 18 de fevereiro de 2018

NÃO TINHA UNHAS


Obra do pintor húngaro Károly Ferenczy.

Não tinha unhas,
dizia eu,
para tocar a cítara
de Orfeu.

Mas é verdade
Que outras cítaras
E outras guitarras
Toquei.

Com ou sem génio?
Outros que o digam,
Não eu!

sábado, 17 de fevereiro de 2018

COM AS PALAVRAS




É com as palavras
-essas humildes rosas –
que recrio o mundo
hora-a-hora.

Com as palavras
digo o teu nome,
o verde dos campos
o azul do Tejo.
E também os cais
de embarque e chegada,
as simples igrejas
e as grandes catedrais

Até um dia,
até ao dia,
em que chegue
a inevitável hora.



sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

O FASCÍNIO DA QUADRA




O meu amor não tem fim
e o desejo também não.
Fosse assim o teu por mim
e era a plena comunhão.

So tenho olhos para ti
- olha bem que sorte a tua!-,
Desde a hora em que te vi,
‘stou aqui e estou na lua.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

OS CAMINHOS



Tantos e tão longos
foram já
os caminhos percorridos!

Às vezes,
pela tristeza dominado;
outras,
vivendo a mais pura alegria.

Todavia,
Olho para o passado
e tudo me parece,
ter acontecido
com excessiva brevidade.

(e nem sempre a salvo
de muitas  pedradas
e algumas pisadelas).

De nada me queixo
-afora a bravura do destino-,
porque dos homens,
muito cedo,
claramente apreendi
quão imutável
é a sua natureza.



quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

DISTRAÍDO



Distraído,
a olhar o movimento
dos pássaros,
deixei o tempo
fluir,
inexoravelmente.

Quando te procurei
era tarde,
já demasiado tarde,
e não te encontrei.

E nada se repete:
hoje, seis;

Amanhã, sete!

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

O TEJO



Quase arroio,
em Almourol,
onde parece querer
ouvir as moiras
dos contos de fadas;
deslumbra-se
com as planícies
e vai alargando,
preguiçosamente,
sem pressas
de chegar.



Perto da foz
é já um mar.



segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

LONGE DO BRUAÁ



Longe do bruaá e do movimento da grande cidade,
passeio nas ruas do meu bairro,
onde, de todas vejo o Tejo
-essa porta larga de tantos sonhos e desesperanças-,
ora azul, ora prateado.
E também passo pelo olival,
Onde limpos, os donos levam seus cães a defecar.
                              
Nessas horas de convívio feliz comigo e com a Natureza,
Esquecido do tempo ido
e com o futuro pouco preocupado,
penso quão livre tenho sido
e quão fecunda podia ter sido a minha vida.

Só eu sei quão grato para mim seria
Deixar um verso para o futuro recitar;
mas sei também que outros pardais mais ágeis
se perfilam  para esses ousados voos.

Cada dia que passa mais me apraz a solidão
e deixo o tempo passar, placidamente,
que é assim, placidamente, que o tempo deve passar.


Até um dia. Até um dia... 

domingo, 11 de fevereiro de 2018

A MINHA BIBLIOTECA



Na minha biblioteca
há mortos e alguns vivos.
Vivem comigo em silêncio
e quase fraternalmente.

Aqui é tudo boa gente:
Camões, Bocage, Garrett,
Pessoa, Belo, Osório,
Pina, Salvado, Vicente.

Teresa, Isabel, Horta,
Florbela, Rita, Natália,
Yvette, Llansol, Fiama,
Marta, Graça, Linspector.

Pachec(os), Oliveira, Grade.
Cardoso, Antunes, Pires,
Saramago,  Redol, Rosa,
Martins, Ferreira(s), Andrade.

Desculpas, desculpas mil
aos bons poetas d’ Espanha,
tantos tantos do Brasil
e outros que não referi.

Neste meu pequeno mundo,
uma imensidão de mundos! 
E com estes mestres viajo,  
sem do convento sair.





sábado, 10 de fevereiro de 2018

AS MINHAS PORTAS DE SANTO ANTÃO


10.02.2018 – Sábado. Voltei ao Baixinho. Dir-se-ia que o Baixinho está para mim como o Gambrinus estava para o cineasta Fernando Lopes.



     É que no Baixinho, mesmo quando almoço sozinho, estou sempre acompanhado. Conhecemo-nos todos e temos uma relação de cordialidade. Direi mesmo de uma certa cumplicidade.


     Hoje, “marchou” um delicioso “bife” de atum – os portugueses fazem bifes de tudo – quiçá até de testa de carneiro -, acompanhado com brócolos e um tinto do Douro, este servido na justa medida.


     A Avenida de Santa Iria é, definitivamente, as minhas Portas de Santo Antão.

VELHA CASA REVISITADA

09.02.2018 – Há quase quatro anos que não entrava na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. E fui a esta casa que também foi minha, há muitos anos, porque tinha um encontro aprazado com o doutorando Rui Sousa, que foi colega da minha filha. Sim eu tive uma filha, a minha filha.



     E tive a agradável surpresa de reencontrar a poeta Ana Paula Tavares, que conheci exactamente no mesmo dia em que vi pessoalmente a minha, hoje, grande amiga, Isabel Mendes Ferreira. Comemorava-se o dia da poesia e o começo da Primavera. E numa mesa, com uma assistência quase nula, estavam Victor Oliveira Mateus, ao centro, ladeado por Ana Paula Tavares e Vânia Chaves.



     Pediram-me para tirar fotografias e tirei. E com sua licença, uma a Isabel Mendes Ferreira. Não sei se a Isabel se recorda, mas foi assim. E nem uma palavra trocámos.




     Gostei de rever Ana Paula Tavares, uma poeta de Angola, que ensina em Portugal. E como eu sou a personificação da distração, a poeta mandou-me sentar e momentos depois, levantou-se e disse: “Desculpe não o ter cumprimentado. O senhor é o pai da Filipa…” E só por este facto, já valeu a pena ter ido, quase quatro anos depois, à Faculdade de Letras.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

QUERO A PALAVRA

Filipa Barata




atento no ritmo do sangue
perscruto seu brilho incandescente
e quero a palavra rente à voz

quero a palavra
que diga todas as linhas
do teu rosto

a sílaba sem som
que traga o gosto
da saliva

que rodeia a boca

in "Palavras sem cicatrizes - Poemas de e para Filipa Barata", Ed. Alecrim,
Santa iria de Azóia, 2016.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

EPÍSTOLA XVI

Foto de Aurélio Grilo

Sei que há quem veja nesta escrita, a que pomposamente chamo Epístolas, um qualquer processo de catarse. E talvez seja, mas a minha intenção é, antes de mais, a de dar continuidade às nossas conversas. Pomposamente escrevi na primeira linha. E tenho quase a certeza de que o advérbio de modo também aparece na primeira linha do ULISSES. Não sei se na tradução de João Palma-Ferreira, se na de António Houaiss. Tenho as duas e recordo-me de ter cotejado ambos os começos.

     De qualquer modo, é de livros que hoje quero falar. Sabes que que nunca tive o hábito de vasculhar. Por isso mesmo, dei-me demasiado tempo para pegar nas “penes” e ver o que lá tinhas deixado. E acabei surpreendido, porque, afinal de contas, havia em ti uma poetisa, que nunca quis sair da concha. Incompreensivelmente, digo eu, adivinhando, todavia, que um dia irias surgir com estrondo. Ainda era pouco e querias mais. Querias o que os deuses não quiseram.

     A descoberta de mais uns quantos textos levanta-me um problema novo. Não poderão continuar no silêncio em que os deixaste, porque poucos ficariam a saber da luta que travaste com as palavras e da beleza que lhes conferiste com a tua aparente serenidade. Haverá, pois, novo livro!

     Um querido amigo teu, e também meu, há-de ajudar-me a encontrar uma editora digna dos teus poemas para que mais gente a eles tenha acesso. Apesar de escassa, a produção que nos legaste merece ter visibilidade, como me sugeriu, em primeira mão, o nosso amigo João Teixeira, que também levantou uma questão engraçada, que é a seguinte: que nome virias a adoptar quando decidisses publicar. Nunca o saberemos.


     Há um caminho a percorrer e há-de ser percorrido com sucesso. Com as ajudas dos amigos, que já deram sobejas provas de quanto de ti gostavam.  

LANÇAMENTO

O lançamento de uma revista de Poesia e Ensaio é sempre um acontecimento a realçar, num país onde as revistas não costumam ter um pendor cultural. Por isso mesmo, acedi ao pedido de Victor Oliveira Mateus, um paladino destes eventos.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

ESTOU SÓ E SINTO FRIO



FILIPA BARATA



ficarei a noite inteira por detrás desta janela
sem vidros
o vento fere-me
estou só e sinto frio

de olhos postos na noite
recordo o dia

ouço-nos correndo pelo caminho abandonado
ao sol de verão
olho nas mãos as manchas de sangue
das amoras que colhemos na velha amoreira – frondosa de incertezas
junto à igreja

recordo os rostos
de pedra enrugados,
rostos de sol   de chuva   de vento
estão à porta das casas
na tarde quente
olham com estranheza quem chega

pelas ruas escuras de casas quase
em ruínas
emerge o cheiro do estrume e da
solidão

ali estão
esquecidos pelo tempo
petrificados pelo desejo de pertença
ao que já não existe

são poucos mas
por lá estão
quase encostados uns aos outros
quase em fila estáticos
de olhos de peixe mortos
tentam fixar-me …

desvio o olhar
mas sei que ainda agora
lá estão assim:

à espera da morte – que tarda?


28.02.07
inédito

domingo, 4 de fevereiro de 2018

A NOITE

Manuel Barata



Tantas noites brancas
a pensar em ti.
Noites longas longas
em que não dormi.

Mente alvoroçada
a pensar em ti.
Noites de mistérios
em que não dormi.

Passavam as horas
a pensar em ti.
Oh, noites saudosas

Em que não dormi!

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Procuram-me às vezes


FILIPA BARATA




Procuram-me às vezes
Nestes dias de céu coado
E luz dura
Vozes de outrora
Vindas nem sei de onde

Ululam por aí,
Pelo jardim deserto com plantas cadavéricas
Riem baixinho
Saltam

Escondo-me por vezes
Mas logo me descobrem nos recantos sombrios
Da casa sem paredes

Creio que são fantasmas – serão bons?
Mas não é de mim que saem
São deste lugar sem nome
Habitam por aqui
Entre ruínas
E mãos decepadas

Circulam por teias emaranhadas
Sempre na mesma teia
Que os prende
E estrangula



inédito 
28.02.07



quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Os “Fialhos” de Brandão: subsídios para a construção de um retrato de Fialho de Almeida, a partir das “Memórias”, de Raul Brandão

Filipa Barata



O presente texto segue de perto – apesar de algumas modificações que se consideraram relevantes para a temática deste congresso – uma parte do trabalho anteriormente por nós desenvolvido em Dissertação de Mestrado[1], e que tem na sua base as páginas dedicadas, nas Memórias, por Raul Brandão ao retrato de Fialho de Almeida.
Importa ainda notar que o texto inserto nas Memórias de Raul Brandão é um dos poucos, entre a escassa bibliografia existente sobre o autor de Vila de Frades, que nos permitem traçar algumas linhas da feição humana, mas também literária de Fialho que é, porventura, uma das figuras mais emblemáticas da cultura portuguesa da primeira metade do século XIX.
Porém, e antes de avançarmos, importa referir a atenção crescente que tem sido dada a este autor, merecendo especial destaque o ensaio de Isabel Cristina Pinto Mateus[2], pela análise atenta e sensível que faz de alguns aspectos de obra fialhiana, infelizmente nem sempre bem recebida quer pela crítica do seu tempo, quer pela crítica posterior. Tal como nota a autora, “(…) importa [re]descobrir o rosto do autor, tão desfigurado ao longo dos tempos que hoje quase nos parece irreconhecível: uma tarefa difícil quando esse rosto é, como o de Jano, de natureza dúplice e, portanto, naturalmente esquivo ou contraditório”[3]. Como se vê, estas palavras vão ao encontro de uma das principais dificuldades que envolvem o estudo da obra do autor d’Os Gatos: a intrincada relação entre o homem e a obra, ambos tão difíceis de separar, tornando-se o homem quase sempre na matéria da própria escrita.
Assim, centremo-nos no objecto do nosso trabalho: em que medida nos pode ajudar, hoje, o retrato de Brandão a traçar um perfil de uma figura tão contraditória como a de Fialho de Almeida? De que maneira a visão do autor das Memórias vai ao encontro de um conjunto de características que encontramos na obra de Fialho e que são reflexo da sua personalidade? Neste sentido, e porque aquilo que se torna fundamental é sobretudo o contributo que podemos dar para a (re)construção de uma figura onde se cruzam diversos estilos e formas literárias, vejamos como o texto de Brandão vai ao encontro dessa contradição que está na base da personalidade e da obra de Fialho.
 Aproxime-nos, então, do retrato feito por Brandão nas suas Memórias:

Fialho não é este janota de pálio rico, com uma jóia tão grande que parece falsa na gravata de veludo. Fialho era outro estranho tipo, intratável e pobre, com o pêlo ralo e a boca enorme cheia de sarcasmo. Um príncipe de gabinardo, que fazia cair as peças do alto do galinheiro, a um gesto seu irrespeitoso. Seguia-o a malta atónita de matulas suspeitos e jornalistas de ocasião, que deslumbrou de sonho e atascou em sonho.
– Fialho! Fialho!... – Esses aplaudiram-no e amaram-no… Esquecidos do frio e da pobreza, não despegavam os olhos daquele sonho desconforme. Fialho! Fialho!... – Depois sumia-se num terceiro andar, ou procurava os pobres que não pedem: só a mão sai da noite e implora[4]

No primeiro volume das Memórias encontra-se uma fotografia de Fialho de Almeida, assinada por baixo com o seu nome e provavelmente oferecida por ele ao autor. Nela vemos apenas a imagem física de um homem – nem sequer de corpo inteiro, mas apenas um busto – vestido com casaco e lenço (?) armado ao pescoço. Mas, o que surge com maior relevo aí é o rosto do retratado: o perfil ligeiramente de lado mostra-nos uma figura com barbas e olhar distante. Um semblante triste e sério onde, após o confronto com o “outro” retrato, podemos ler alguma desilusão. Ora, é esse “outro estranho tipo” que Brandão nos pretende dar a ver, mostrando, desde logo, o contraste entre a imagem exterior – sobretudo quando aponta para as características da fotografia – e o lado interior de uma figura deambulante que, ao contrário de outros autores do seu tempo, cultivava uma postura de vagabundo – recorde-se, a propósito, um dos títulos que deu a uma colectânea de textos da sua autoria, Jornal dum Vagabundo -, não alinhando, assim, com os grupos de intelectuais.
Notemos como o retratista parece viver com a convicção de que só ele conhece o retratado, pelo menos a um nível de profundidade que procura transmitir, projectando-se também ele (retratista) na emoção com que executa o retrato. A repetição da exclamação (“Fialho! Fialho!...”) seguida de reticências, ilustra bem o apreço pela imagem do homem que recusava a pertença às elites intelectuais e que se fazia acompanhar por marginais. Mas, por outro lado, há também aí uma espécie de sentimento contido, onde as reticências deixam antever ao leitor tudo o mais que se poderia dizer e não se diz. São, ainda, também as reticências que dão, ao mesmo leitor, a possibilidade de imaginar não a figura física do retratado, mas sobretudo o seu modo de agir e de ser, vendo-o como um sonhador desmesurado: “Seguia-o a malta atónita de matulas suspeitos e jornalistas de ocasião, que deslumbrou de sonho e atascou em sonho”.
Havia uma velha – nunca mais me esquece – ali à porta do Montepio, que fazia parte do muro alto e espesso, e a quem ele, ao dar-lhe esmola, afagava a cabeça… Depois, amargo, feroz, insuportável, ei-lo tornava com sarcasmos, transtornando as figuras decorativas, cheias de veneras, que à sua voz desatavam às cambalhotas como palhaços[5]

É um ser oscilante este Fialho que tão depressa é capaz de um gesto de ternura como, logo a seguir, enche a boca de sarcasmo para desferir golpes verbais sobre aqueles que o desgostam pelas atitudes que tomam. Esta maneira de estar não parecerá, de resto, estranha aos seus leitores mais atentos que não terão dificuldade em reconhecer essa postura na voz autoral de uma grande parte dos seus escritos como é, por exemplo, o caso de Pasquinadas ou Vida Irónica, entre outros.
Vi-o exasperado, vi-o atordoado de frases, como quem quer fugir ao próprio fantasma. Vi-o mergulhar numa absorção dolorosa, e desaparecer na noite em correrias que duravam até de manhã pelos bairros escusos ou pelas azinhagas de crime, num debate perpétuo de que saía lívido, exausto, e com a máscara transtornada. Este que fala do seu vinho: - Livros?... O que eu trato de editar é um vinhinho branco lá de Cuba… - este que vem, de quando em quando, a Lisboa deslumbrar-nos com um novo e horrível fato, é outro Fialho, que talvez tenha saudades dessa vida absurda de outros tempos…[6]

A imagem decompõe-se à medida que o retrato se escreve, assistindo o leitor ao desdobramento da figura em vários planos, através da referência ao pronome demonstrativo “este”, em “Este que fala do seu vinho” ou em “este que vem, de quando em quando, a Lisboa”, o que quase faz lembrar a entrada numa cena teatral. Mas, mais do que a referência a uma figura encenada e composta por alguns exageros, vale a pena notar neste trecho o facto de o processo de decomposição utilizado pelo retratista poder constituir uma marca do seu expressionismo literário e estético, o qual não seria estranho ao próprio retratado enquanto autor. 
Outro aspecto que vale a pena ter em conta nesta passagem é a recorrência, por parte do narrador, a uma estrutura anafórica (“Vi-o exasperado, vi-o atordoado de frases, como quem quer fugir ao próprio fantasma. Vi-o mergulhar numa absorção dolorosa”) que situa o texto, muitas vezes, próximo de uma estrutura poética, onde a repetição intensifica aquilo que se quer transmitir sem nada acrescentar ao conteúdo, ao mesmo tempo deixando entrever o pulsar daquele que retrata, através dessa insistência com que persegue certos traços da personagem:

Fialho! Fialho!... Pronuncio este nome e diante de mim desfila o assombro, panfletos, a obscenidade e o génio – farrapos arrancados a ferro e tão vivos que mal ouso tocar-lhes – o estoiro duma bexiga de entrudo – ironia e esgares. E logo gritos! e agora gritos!... Ouço a dor, sinto-a sempre através da forma imprevista, duma audácia e dum ritmo incomparável, escorrendo sonho, aflição, miséria, sinto-a até nos ímpetos de mau gosto, nos pontapés aos leitores surpreendidos e irritados. Está diante de mim aquela boca enorme, aquela figura de gabinardo e chapéu mole que nas noites de tristeza e abandono me dizia: - O que eu sofri! O que eu sofri… - Vejo-o sempre invejar o barqueiro louro e sardento de que fala nos Gatos, belo como um efebo à proa do seu barco. – Como eu queria ter saúde e ser forte![7]

Veja-se como o sujeito se agita, sendo ele quem pronuncia. “Fialho! Fialho!...”. Assistimos a uma espécie de invocação da figura, num sentido quase religioso, em que o acto de pronunciar ou chamar pelo nome faz aparecer a imagem da pessoa. E nisso há também um interessante jogo temporal: já não vemos o sujeito referir-se ao passado, mas antes falando no presente, o que nos pode levar a perceber uma concomitância entre o acto de recordar e a própria escrita. De repente, a figura como que abandona a bruma, pondo-se diante dos olhos do escritor, mas também do leitor e ficando aí reduzida aos seus pormenores essenciais: “Está diante de mim aquela boca enorme, aquela figura de gabinardo e chapéu mole”.
Mais uma vez, verifica-se o recurso a uma linguagem poética, através de imagens expressivas, que retomam aspectos sombrios e que, de vez em quando, fazem recordar certos passos do Húmus, sobretudo, porque também aqui o sujeito se assemelha a uma espécie de caixa de ressonância, através da qual sobrevivem os ecos daqueles que se recordam. A voz do sujeito torna-se quase indistinta da do retratado; já não é Fialho que ouvimos, mas antes Brandão – note-se, sobretudo, a utilização de formas verbais na primeira pessoa, “pronuncio”, “ouço”, “sinto(-a)”.
Com o mesmo ímpeto continua Brandão:

Deu-lhe Deus o mais rico quinhão que imaginar se pode, a língua incomparável para exprimir a quimera e a dor, e esse macaco sem fé esbanjou-a com o mais absoluto impudor: serviu-lhe para a chacota. Transtornou tudo, engrandeceu tudo, riu-se de tudo. As descrições perderam proporção, as figuras a realidade, transformadas em figuras de dor ou de grotesco; a própria cidade ressurgiu a uma tinta lívida de antemanhã, com a casaria a escorrer vício e aspectos tétricos… É isto sim, mas isto criou-o ele de pobreza e desespero, criou-o de gritos que nunca ninguém lhe ouviu. – E maior! ficou maior! A sua obra só tem outra que se lhe compare, a de Camilo. Exigem-lhe um livro harmónico – Os Cavadores. Porque é que toda a gente reclama dos outros aquilo de que eles são incapazes? A obra de Fialho não podia ser senão esta, aos arrancos e enorme. Fialho via os pormenores através duma lente, e deturpava tudo, deformava tudo, dando génio à própria obscenidade[8]


Tal como a obra de Fialho, também o seu retrato parece ser feito com “arrancos” emotivos, onde se detecta a identificação entre o retratista e o retratado, sobretudo, se tivermos em conta que também em Brandão se desenvolve uma estética da dor e do grotesco. A mão expressionista que procura os tons negros, a miséria e a pobreza nos seus aspectos mais degradantes vai o autor buscá-la a Fialho, uma vez que não raro vemos surgir em Brandão personagens como a da prostituta ou do ladrão. 
Porém, a contrastar com a faceta sarcástica e provocadora, encontramos ainda um outro Fialho: “Fialho, se o virassem do avesso, escorria ternura… É também um tímido capaz de todas as audácias, e que sai da doença e do isolamento com desespero e escárnio. Esta figura tão conhecida de todos nós, não é a exacta expressão da sua alma. Ainda hoje ninguém se entende…”[9] Por aqui se confirma, portanto, o que já tínhamos referido sobre as múltiplas e antagónicas faces do retratado, mas vincando-se a contradição entre o dentro e o fora, que coloca a figura numa outra dimensão, espécie de mito que se constrói sem se saber ao certo onde começa a verdade e acaba a mentira.
Não se esquivando ao ponto de vista de terceiros, o autor procura, ainda, alargar a imagem do retratado através de uma multiplicidade de perspectivas, onde o uso do pronome indefinido “outro”, ilustra particularmente bem o desejo de aprofundar o interior da figura. A espécie de gradação que acompanha a repetição do pronome – “(…) de outro Fialho respeitoso, que não podia suportar o exagero alheio, e de outro, de outro maior, de outro espectro (…)” - denota a tentativa de se adequar o melhor possível à realidade que se descreve ao mesmo tempo que se dá conta disso ao leitor. Ao invés de escolher uma expressão única, o autor expõe a sua própria busca. Não se trata de um retrato homogéneo, mas antes de um retrato composto por vários traços e camadas:

Silva Teles, por exemplo, conheceu um estudantinho aplicado e medíocre, que se chamava José Valentim Fialho de Almeida; há ainda talvez quem se recorde dum moço de botica reservado e triste; e, o que é mais extraordinário, de outro Fialho respeitoso, que não podia suportar o exagero alheio, e de outro, de outro maior, de outro espectro, que vem sentar-se a meu lado na sua trágica mudez. No fundo talvez tudo aquilo fosse dor. No fundo, bem no fundo, quando irrompia numa frase cruel, não era aos outros que dilacerava, era a si próprio que se dilacerava, e tão a sério que todos o víamos sangrar. Reparem: pouco a pouco a figura range de dor[10]

Outro dado importante reside na expressividade da linguagem, onde o verbo “sangrar” visa não só colorir, mas também criar a imagem, em termos estilísticos, do sofrimento da personagem. A intromissão do eu, especialmente importante nessa convocação da figura para o presente da escrita – “(…) de outro Fialho respeitoso, (…) que vem sentar-se a meu lado na sua trágica mudez”, faz renascer a personagem, tornando-a actual e, salvando-a do estatismo temporal. O apelo ao leitor, através da forma verbal “Reparem”, inclui o próprio leitor na actualidade da escrita, mais: há como que um cruzamento entre o eu, o retratado e o leitor. A personagem retratada sai da bruma do passado para surgir recreada no presente e, neste sentido, não é já aquele que foi “realmente”, mas antes aquele que o retratista apresenta. O apelo ao público é para que veja aquilo que ele (autor) mostra, tal como o pintor que finaliza o seu quadro com as últimas pinceladas, é o produto da sua obra que está sob avaliação e não o homem retratado propriamente dito.
A noção de que Fialho é uma personagem contraditória é constante ao longo de todo o retrato. Daí que assomem aqui e ali repetições dessa ideia, sendo notória a consciência da existência de uma máscara – de que, aliás, o autor já falara na parte final do Prefácio ao primeiro volume – que esconde, porventura, o eu verdadeiro. Esta questão coloca-nos, ainda, perante uma outra não menos importante que é justamente a de saber se a máscara constitui uma mentira ou se, pelo contrário, consegue ser mais verdadeira que a realidade em si.

Da sua existência oculta faz parte uma figura de dor, calcada e recalcada, sobre a qual outra se encarniça com desespero. Talvez seja a verdadeira… Contentemo-nos em fixar duas ou três aparências, apontando neste canhenho algumas anedotas frívolas… Se ele pudesse gritar, gritava ainda. Dessa figura contraditória restam farrapos – mas que farrapos! dessa luta suprema existem vestígios, que nunca encarei sem espanto… Vi-o algumas vezes ao amanhecer num 3.º andar no Arco do Bandeira, quando ele caía exausto sobre a banca de tortura, à luz dum candeeiro de petróleo, com um frasco de álcool ao lado e o cobertor enrodilhado nos pés. A máscara lívida estava de todo mudada. Era outro! era outro! Surpreendi-o em noites, nos giros sem destino pela Graça, pela Penha, pelo Monte – quando o seu dedo apontava boqueirões de treva, tropéis de casaria, sítios ermos onde duas ou três oliveiras torcidas se ajuntam para concertar um crime, ou, pior ainda, nas horas de amargo descalabro, em que, dorido e sem frases, procurava fugir de si próprio para muito longe. Não queria então que ninguém o seguisse nas caminhadas que duravam até ao dia – ele e a dor, ele e a noite! Amigos, silêncio…[11]   


Reproduzir das falas daquele que se retrata empresta ao retrato não só uma maior vivacidade, mas também um tom mais coloquial que permite aproximá-lo do presente e fazer com que o personagem apareça vivo junto de quem o observa/lê. Agora, é o Fialho em discurso directo que vemos, contando peripécias da sua vida triste e amargurada:

- O que eu sofri! – dizia ele. – Tiveram-me preso oito anos numa botica ali na Bemposta, ao pé da Escola do Exército, na idade em que queria viver. Estragaram-me a vida, encheram-me de desespero. Quando me soltaram, não imagina a minha alegria! Podia ter sido outro… Ter saúde, ser forte!... O que eu sofri! Duma vez, no Repórter, o Martins mandou-me escrever um artigo sobre uma quermesse de fidalgas. Fui e fiz uma troça, e ele rasgou-me os linguados na cara. Para me vingar, tirando um bocado às noites, escrevi um artigo formidável para publicar em folheto. Era na ocasião em que essas peidorreiras arranjavam um bazar para os pobres, que rendeu oitocentos mil réis. Ora eu descobri por acaso um galego que se juntava com outros e tiravam todas as semanas meio dia de ganho, para irem ao domingo ao hospital dar cigarros aos doentes, penteá-los, cortar-lhes as unhas, untar-lhes a cabeça com banha de porco. É um velho, de barba de passa-piolho, que está sempre no Largo de Camões. Homem de poucas falas. Tratou-me mal. Tive pronto o folheto em que comparava essas mulheres, cheias de snobismo, de adultérios e infâmias, com esse santo desconhecido… Imagine… Perdi o artigo[12]

Detenhamo-nos, agora, na parte final deste denso retrato em que o autor, em jeito de epílogo, faz a síntese da figura, sentando-a de novo ao pé de si e parecendo acariciá-la com os dedos, ao mesmo tempo que reflecte sobre ela. De facto estamos perante um solilóquio – e não será sempre o mesmo ao longo da obra? – que encontra no retratado um interlocutor – isto é particularmente visível no parágrafo final - , de quem e para quem o sujeito fala, sabendo da distância intransponível que os separa:

À figura que se senta ao pé de mim falta-lhe talvez a rigidez das estátuas. O gabinardo, reparem, está amachucado e encardido, a fisionomia retrai-se no escuro e só a boca se salienta, enorme e prestes a escorraçar-nos com gritos e apupos. Atravessou a vida: foi injusto, foi cruel por vezes, foi amargo. Desatou a rir para não chorar. Atordoou-se com sarcasmos e frases. Foi incoerente. Obedeceu ao impulso. Não se pôde furtar a sentimentos que vêm do fundo dos fundos e nos deixam prostrados, reclamando da morte que nos apavora – enfim! enfim! – o primeiro dia de descanso bem ganho, ao termo desta discussão que nunca cessa e em que nos despedaçamos, sem nos compreendermos a nós próprios quanto mais aos outros… Toda s sua alma, que deixou fragmentada em várias figuras, em todas as páginas dos seus livros, nos retratos, nos tipos, nas paisagens, no Manuel, em Guilherme de Azevedo ou na manhã do Tejo, se condensa enfim nesta boca amarga capaz ainda de nos fulminar de cólera ou de acusar bem alto a vida que lhe foi impiedosa…
É assim que te vejo ao pé de mim, com detritos, escorrências, lama, mas tão grande, tão vivo, tão humano, que para sintetizar a tua vida, só me servem as palavras com que um espectador ilustre saúda o Hamlet no fim da representação: - Boas-noites, meu príncipe, és um homem, o homem e todo o homem![13]

No volume III das Memórias surge ainda uma secção de texto dedicada a Fialho, e cujo título é justamente “Fialho de Almeida”. Nela se registam pequenos apontamentos sobre a figura que resultam da apreciação de terceiros – por exemplo, logo no início, Brandão refere-se a Gualdino Gomes, transcrevendo depois palavras suas em discurso directo:

Gualdino Gomes fala das pretensões de Fialho janota – dum Fialho com uma grande corrente de ouro e uma esmeralda de brasileiro na gravata, e conta que ele apareceu num dia de tourada no Martinho com uma camisa vermelha que teve de tirar pela troça que lhe fizeram. Acrescenta isto:
- Julgo que nunca, nem com a própria mulher teve relações senão de amizade. Os seus quartos de dormir eram separados, um em cada extremidade da casa e pela manhã quando ela lhe batia à porta ele dizia sempre: - Espere, menina, que ainda não estou vestido[14] 

O registo anedótico é aqui parte integrante do retrato conferindo-lhe uma nota menos carregada e emprestando-lhe dinamismo precisamente porque se tenta fazer dele um espaço aberto, para onde podem convergir outras formas discursivas, como a anedota, o pequeno apontamento, a reflexão ensaística, etc.
Por outro lado, o riso pode ter um efeito catártico que ajuda a aliviar a tensão criada pelos tons negros e sombrios. Dir-se-ia, que a anedota funciona como espécie de pincelada clara que, de repente, se atira para o meio do retrato. De teor semelhante é esta passagem:

Uma noite, no café, G… aludiu à sua obra, e logo do lado Fialho acudiu:
- A tua obra, bem sei… Vinte e cinco cartas a vinte e cinco amigos pedindo vinte e cinco tostões emprestados.
G… embezerrou. Mas passados minutos aproveitou uma pausa no diálogo para perguntar com indiferença ao Fialho, que tinha casado rico há pouco com uma mulher que gastou a vida a esperá-lo no fundo da província:
- Ó Fialho, fazes favor de me dizer que horas são… no relógio do teu sogro?[15] 

Contudo, no que se refere à secção do volume III, importa anotar a presença de um pequeno excerto retirado de um jornal que constitui não só uma achega para a figura do retratado, mas também um motivo de variedade para a elaboração técnica do retrato:

O seu amigo Xavier da Mota diz num artigo:

Um parente meu muito querido, que colaborou nas fainas agrícolas de Fialho, dizia-me das rebeldias do seu temperamento, na rigidez frequente das suas maneiras, ao tempo constatando a solicitude dele pelos seus servidores, a exactidão das suas contas, e a benevolência quase sempre calada dalguns dos seus actos, como se achasse mesquinho proferir palavras que importassem a humilhação de alguém ou reflectissem a própria bondade

(Popular, 3 de Abril de 1911.)[16]


Concluindo, e na esperança de que o presente texto possa dar a ver alguns aspectos menos conhecidos sobre Fialho de Almeida, torna-se importante referir que, apesar de uma visão, por vezes, afectada pelo sentimento e pela emoção, o retrato que Brandão traça do autor de Vila de Frades é, porventura, um dos que melhor permite fazer a articulação entre duas faces em contradição, a do homem e a do escritor, de um dos autores que, provavelmente, melhor ilustra a transição do século XIX para o século XX na literatura portuguesa, sobretudo, no que toca à criação de formas literárias novas e marcadas por uma voz que assume perante o leitor o seu próprio sofrimento.
Por outro lado, gostaríamos ainda de referir, que não foi para nós tarefa simples a escolha dos excertos de texto a incluir neste trabalho, daí que, apesar da extensão de alguns deles, tivéssemos optado pela sua utilização, na expectativa de mostrar ao leitor a mestria da pena de Brandão, nomeadamente, no que concerne ao uso de uma espécie de claro-escuro, técnica que permite ver, quase em simultâneo, no retratado, quer os seus aspectos mais luminosos quer os seus aspectos mais sinistros. 

Notas: 

1 Barata, Filipa Mendes. 2009. “O Lugar do eu e do(s) outro(s) nas Memórias de Raul Brandão”, (Dissertação de Mestrado em Cultura Portuguesa). Lisboa: Faculdade de Letras.

2 (Mateus, 2008)
3 (Mateus, 2008: 21)

Mateus, Isabel Cristina Pinto. 2008. «Kodakização» e Despolarização do Real – Para uma poética do grotesco na obra de Fialho de Almeida. Lisboa: Editorial Caminho.

4(Brandão, 1998, a: 66)
5 (Brandão, 1998,vol.I:66)
6 (Brandão, 1998, vol. I: 66-67)
7 (Brandão, 1998, vol. I: 67)
8 (Brandão, 1998,vol.I: 67-68)
9 (Brandão, 1998, vol. I: 68)
10 (Brandão, 1998,vol. I: 68)
11 (Brandão, 1998, vol. I: 70-71)
12 (Brandão, 1998, vol. I: 70-71)
13 (Brandão, 1998, vol. I: 78)
14 (Brandão, 1998, vol. III: 147)
15 (Brandão, 1998, vol. I: 43)
16 (Brandão, 1998, vol. III: 150)

Brandão, Raul. 1998. Memórias (vol. I, vol. III). Lisboa: Relógio D’Água.






[1] O Lugar do eu e do(s) outro(s) nas Memórias de Raul Brandão, Tese de Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras de Lisboa em Março de 2009.
[2]  (Mateus, 2008)
3 (Mateus, 2008: 21)


[4] (Brandão, 1998,vol.I: 66)
[5] (Brandão, 1998,vol.I:66)
[6] (Brandão, 1998, vol. I: 66-67)
[7] (Brandão, 1998, vol.I: 67)
[8] (Brandão, 1998,vol.I: 67-68)
[9] (Brandão, 1998, vol. I: 68)
[10] (Brandão, 1998, vol. I: 68)
[11] (Brandão, 1998, vol. I: 70-71)
[12] (Brandão, 1998, vol. I: 70-71)
[13] (Brandão, 1998, vol. I: 78)
[14] (Brandão, 1998, vol. III: 147)
[15] (Brandão, 1998, vol. I: 43)
[16] (Brandão, 1998, vol. III: 150)