quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019


XIX
     Eu concebo a amizade como uma espécie de religião, “sem deus e sem dia do julgamento final”, tal como esse grande escritor marroquino de língua francesa, que dá pelo nome de Tahar Bem Jelloun. De resto é mais ou menos assim o incipit de ÉLOGE DE L’ AMITIÉ, um livrinho ao qual regresso muitas vezes.

     Bem sei que não concordarás totalmente comigo no que à religião diz respeito, porque eras crente, ainda que não ortodoxa. Podias ir à missa, mas também eras capaz de ouvir e até discutir com cristãos evangélicos. Ou de outros credos.

     A amizade nunca pode ser entendida como uma troca de favores. Quem a entender assim, nunca fará parte do meu restrito grupo de amigos. E é por isso, com certeza quase absoluta, que os meus amigos rareiam. Os meus amigos são aqueles com quem gosto de estar ou que prezam a minha companhia, mas a quem nunca peço ou concedo favores.

     Sempre estive na vida de mãos limpas. E assim quero estar até ao fim dos meus dias. Só assim serei um homem livre. Passaram pela minha vida muitas pessoas. Muitas. E algumas, em situações embaraçosas, pediram-me dinheiro emprestado. Nunca muito, que muito nunca tive, mas o suficiente para “ficar a arder”, passe o plebeísmo da expressão, e deixar de contar essas pessoas, até no meu grupo de conhecidos.

     O mundo dos livros, por exemplo, é um mundo dado a muitos equívocos. Aqui há cerca de dois anos, alguém com quem cheguei a ter uma relação quase fraterna, quis  que lhe reeditasse um livro, quando, o que lhe tinha prometido era a edição de um livro de poemas. Em princípio, que sim, um livro de poemas, e até já queria escolher a gráfica, etc. Depois veio com a reedição de um romance. Disse-lhe que não, que só estava na disposição de editar um livro de poemas. Até hoje. E, vistas bem as coisas, ainda bem!

      A amizade, repito, é também para mim uma espécie de religião, sem deus e sem dia do juízo final. Como Tahar Ben Jelloun. 

domingo, 24 de fevereiro de 2019

HÁ MUITAS VOZES NA MINHA VOZ

---------------- Para o Vítor Morais, meu amigo.

Há muitas vozes na minha voz
E de todas o timbre reconheço:
Alegres umas, outras tristes,
Todas límpidas e harmoniosas.

Há muitas vozes na minha voz:
A de meu pai sempre presente
- Não a de minha mãe, curiosamente –
E as dos poetas que mais amei.

Há muitas vozes na minha voz
E de todas elas gosto por igual.
No cerzir do verso tento ignorar a mescla;
E, humildemente, procuro ser original.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

DISTRAÍDO

Distraído,
a olhar o movimento
dos pássaros,
deixei o tempo
fluir,
inexoravelmente.
Quando te procurei
era tarde,
já demasiado tarde,
e não te encontrei.
E nada se repete:
hoje, seis;
Amanhã, sete.

(republicação)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O canto do galo
e o balir das ovelhas 
e dos cordeiros
o meu coração enternecem.


... e tornam a minha vida
mais calma
e leve.


Eu sei bem,
oh, poderoso destino!, 
que serei sempre 
um camponês
a fazer de citadino.