segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

MATA



Pela mão de meus pais,
E de meus avós também,
Vi os grandes olivais,
O melhor que a Mata tem.

Os caminhos percorri
Em todas as estações.
Do que em menino vi
Conservo recordações.

Memória muito grata
Dos campos e dos caminhos.
Ó meu tempo d’oiro e prata,
Só me faltam os carinhos!


sábado, 15 de fevereiro de 2014

NOTA DE LEITURA


     Ana Pinto, excelente poeta e pintora, é um nome para reter, ou seja, um nome que não pode ser esquecido. Publicou recentemente  OS SELOS DA ROSA, um livro com quarenta e seis poemas, onde se afirma definitivamente uma voz original, eu diria mesmo ímpar, tal é a riqueza do seu modo de se exprimir poeticamente e dos temas poeticamente tratados.
     É difícil encontrar uma tradição, uma família poética, para Ana Pinto. A sua árvore genealógica, a existir, confinar-se-á a meia dúzia de poetas – ou nem tantos – que continuou a beber na Grécia Antiga e também nos livros da Bíblia. Helenista convicta, Ana Pinto dedica  o sexto capítulo do seu livro aos poetas, começando com o texto Ao Poeta , seguindo-se  Rilke, Sofia, Maria do Sameiro Barroso, Albano Martins, António Salvado, António Ramos Rosa e Herberto Hélder. Creio não ser esta a ordem exacta, mas significativas são as escolhas e não a ordem como surgem na obra. A escolha recaiu em grandes poetas, alguns ainda vivos –Salvado, Albano Martins, Mª do Sameiro Barroso e H. Hélder – que têm entre si o gosto pelo mundo helénico.
     Os elementos fogo, água e terra, estão permanentemente presentes, criando verdadeiros campos semânticos para cada um deles, nomeadamente para o fogo e a água, que vêm do fundo dos tempos pré-socráticos como as veras fontes da vida. A actividade pictórica de Ana Pinto empresta-lhe não raramente as palavras que colorem os seus versos, tornando-os verdadeiramente luminosos. Não é por acaso que a palavra ouro surge inúmeras vezes ao longo do livro, em diversos poemas. Como importante são os conjuntos trevas/luz, noite/dia e terra/mar, que remetem o leitor para o trabalho do poeta, ou seja, para a recriação do mundo e concomitantemente para a cosmogonia cristã, primeiro e segundo dias.

     E para terminar, a utilização da palavra “palavra”, por vezes no plural, isto é, o veículo através do qual tudo se nomeia, conferindo uma ordem ao mundo e permitindo a expressão de sentimentos e emoções.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

MOMENTOS


Vai a noite e vem o dia,
Tudo está em movimento.
Esquecer-te tanto qu’ria
Causa do meu sofrimento.

Eu sei bem que desafino,
No meu modesto cantar.
Quando mo dizem afino,
Porque não quero mudar.

Há nesta rua um cheirinho
A rosas e alecrim.
Só faz falta o rosmaninho,
Que não há no meu jardim.

Há rapazes tão certinhos,
Que vestem fatos sem gelhas.
Só fachada, coitadinhos...
Ideias? Somente as velhas.

Oh, há também raparigas,
Que até metem impressão!
Dão ouvidos às cantigas
Dum qualquer charlatão.

O mundo está perigoso,
Diz-se, com muita razão.
Mas, pacífico e bondoso,
Seria sensaborão.

Setembro... É bom recordar.
Também reflectir um pouco,
Que o planeta pode estar,
Nas mãos de um bárbaro louco.

Dos vistosos laranjais,
Onde há moiras encantadas,
Chegam gritinhos e ais,
Cantigas apaixonadas.

in FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005


PROMETEU

 Heinrich Friedrich Füger

I

Onde estão os meus corcéis?
Tragam-me os meus corcéis,
Que quero rápido cruzar os céus
À procura de um novo sol.


II


Vinde cá,
Meus cavalinhos de oiro,
Vinde cá!
E levai-me a todas as galáxias,
Que quero encontrar
Uma nova luz.


III


Meus cavalinhos de oiro,
Meus fogosos corcéis!
Levai-me,
Levai-me a todos os pontos do universo,
Que quero encontrar
Uma nova fonte de fogo.


NOTA DE LEITURA



A MULHER QUE VENCEU DON JUAN de Teresa Martins Marques é um excelente romance, que vai, seguramente, dar muito que falar nos tempos mais próximos. Por várias razões, entre as quais avultam: o tema central, a violência doméstica, que é “transversal a todos os estratos da sociedade”; a qualidade da escrita, que revela uma autora capaz de utilizar a língua portuguesa com grande mestria, nos mais diversos registos; a inscrição na matéria romanesca da própria crise que a sociedade portuguesa atravessa, na actualidade.

     A MULHER QUE VENCEU DON JUAN agarra o leitor no primeiro parágrafo e o mais apetrechado não deixará de lembrar Bernardim: ”Saudades, só tenho do mar. Da vista do mar da Foz. Por mais que pense que o Atlântico é o mesmo, este que vejo aqui da janela do Monte da Caparica não o sinto como meu. A Foz era outra coisa”. Mas esta “menina e moça”, Sara, que casa aos dezassete anos com um médico, o cirurgião plástico Amaro Fróis, por imposição dos pais, dá imediatamente conta ao leitor da sua vida fútil e deixa adivinhar a má relação que tem com o marido. Depois, depois o livro lê-se num ápice, porque as trezentas e vinte e quatro páginas estão recheadas de peripécias múltiplas, onde a par da narrativa principal, outras narrativas se vão encaixando, sem nunca perder de vista o tema central da obra, ou seja, a violência doméstica.


     Não olvidarei, seguramente, Sara, Amaro, Paulo, Lúcia, Luís, Joana, Odete, Maria, Manaças, Francisco, etc., o que augura um destino auspicioso para este romance. 

Marques, Teresa Martins, A Mulher que Venceu Don Juan, Editora Âncora, Lx., 1ª ed.,
Nov. 2011.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

ARIADNE




John William Waterhouse 

Ariadne chorou,
Chorou muito sentida,
Quando Teseu,
Sem uma palavra,
A deixou.


Podia ter chorado
O novelo do fio
Ou a espada
Que lhe deu. Não.
Ariadne chorou,
Traída e magoada,
O modo
Como Teseu zarpou:
         Sem uma carícia,
          Sem um gesto,
          Sem uma palavra.



ARIADNE -II


Quisesses tu
- Ó doce filha de Minos! -
Dar-me
Por amor
Um novelo de fio
Igual ao de Teseu...

Desvendados os mistérios
Do meu labirinto,
Num veleiro de sonho,
Sem hesitação,
Levar-te-ia
Onde nos levasse
O coração.


DATADAS-2





Wikipédia
Contenção salarial!,
Sugere o Governador,
Para quem o capital,
Decerto, tem mais valor.

Opina o Governador
E logo o ministro Pina
Se apressa, cheio de dor,
A sentar-se na sentina.

Palra o antigo primeiro
De um monstro devorador;
Palra do nosso dinheiro
Com candura, com pudor.

Fez bem Alfredo Barroso
Dar cavaco ao professor,
Num escrito vigoroso,
Pondo a nu tanto rigor.

Há que avivar a memória
Ao bondoso frei Tomás.
Quer (re)escrever a História
E se o deixam, é capaz

De dizer que o orçamento
Do bonito CCB
Foi cumprido a cem por cento
E é peta já se vê.


Barata, Manuel, QUADRAS QUASE POPULARES, Ulmeiro, Lx., 2003

sábado, 8 de fevereiro de 2014

PRESSÁGIOS


         (Para Carlos de Oliveira)



Galo vagabundo,
não cantes à noitinha,
que o teu canto pressagia
o fim do mundo.

Galo vagabundo,
de crista bem erguida
pela madrugada fora,
anuncia-nos com o teu canto
a fatalidade da vida
hora a hora.

Canta galo vagabundo!

Cantai galos de todo o mundo!

NÃO VOLTAREMOS A SER



Não voltaremos a ser
O que noutro tempo fomos.
O fogo arde agora brando,
No meu peito extenuado.

Ah, sinto tanto cansaço!
Um cansaço imenso, amor,
De tudo e até de mim!

É o crepúsculo a chegar,

É o crepúsculo a chegar.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

LISBOA



A nobre Lisboa tem
O vasto Tejo a seus pés
‘ma porta aberta ao vaivém
Rumoroso das marés.

Este Tejo que o Poeta
Morada das musas quis,
Foi a companhia certa
Deste pequeno país.

Cais de partida e chegada,
Quantos segredos ouviu?
Nunca quis revelar nada
Das muitas coisas que viu.

Companheiro e confidente,
Nas horas boas e más,
Esteve sempre presente,
Discreto, calmo, sagaz.


Manuel Barata, FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

DA UTILIDADE DO LUTO VISÍVEL



     Quando o meu avô paterno partiu – dele herdei o nome -, usei um fumo negro para cumprir a nossa tradição. Durante seis meses, não dancei e nem sequer saltei às fogueiras pelo S. João.

     Quando o meu avô materno expirou, usei gravata preta na hora de o entregarmos à terra. E confesso que não senti, nem mais nem menos, a sua definitiva partida.

     Quando a minha avó Maria chegou ao fim, não me lembro de ter posto uma gravata preta, porque coincidiu com o dia do casamento da minha afilhada. Porém, assevero-vos que chorei muito o fim de minha avó Maria.

     Faz hoje cinco, cansado de resistir, meu pai deixou-nos. A gravata preta tornou-se inevitável durante horas, porque me competia receber quem dele se despedia. Quando o deixámos na terra encharcada, fui para a nossa casa e tirei a gravata, ainda que por dentro fosse – e continuo a sê-lo – um enorme pranto.


ACERCA DOS LIVROS



De e com livros tem sido feita a minha vida:
Bons, maus, e assim-assim.
Neles, aprendi metade do pouco que sei;
Sem eles, não sei dizer o que de mim seria!

Outro homem, decerto, seria…

2
Com Fonseca, Manuel como eu,
No culto das musas me iniciei:
Ainda hoje vejo passar a tuna do Zé Jacinto
E me delicio com as alvas rolas,
Que Maria Campaniça escondia sob a blusa.

Por mil anos que um homem viva
Há metáforas que nunca morrem nem esquecem.

3
A prosa chegou com a colecção seis balas.
Só depois chegou Ferreira de Castro
E o seu casto português.
Fiz-me amigo de Manuel da Bouça e de Ricardo;
E, sobretudo, de Marreta e Horácio.

(E é chegado o momento de dizer,
Que se dane o espanhol que não quer
Referências culturais na poesia.
Que se dane pois o espanhol,
Cujo nome já esqueci).

4
Santareno
Veio ainda antes de Vicente!
Primeiro, o Édipo de Alfama;
Só depois, chegou o autor das barcas
e o pai de Antígona.

Franzino, António Martinho do Rosáro
Teve artes para ganhar a dianteira.

Em boa hora.

5
De e com livros tem sido feita a minha vida.


in FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, Sta Iria, 2009


 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O MEU TEMPO É OUTRO





I
E logo hoje,
Que eu precisava tanto de um dia azul,
Alegre e límpido,
(oh, se precisava!)
A Natureza me submerge de cinzento,
Tristeza e bruma.

Que mal te terei feito,
Pergunto-te,
Para me tratares assim,
Ó grande Mãe?!

Porque contrarias,
Tão pertinazmente
Os meus desejos simples
De azul, alegria e limpidez?

Porquê?

Eu aprecio imenso
Eu aprecio imenso
As fotografias geladas
E brumosas
Dos blogues
Da Papu
E do Daniel Abrunheiro.

Porém,
Trago em mim a ansiedade
Das amendoeiras floridas
No fim de Fevereiro.

III
Definitivamente,
O meu tempo é outro:
Abril
Com suas águas mil
 (ó grande António Machado!);
Maio
Com todas as flores;
Junho
Com os primeiros figos
E cerejas maduras.

Definitivamente,
O meu tempo é outro.




GUEVARA


I
Ernesto
Tinha uma moto
E gostava
De viajar.

Ernesto sabia
De firme saber
Que a geografia
Se aprende
Em cada lugar.

Um dia,
Deixou mulher e filhos
E partiu.

II
A melancolia
Era só exterior.

Ernesto
Tinha
Dentro de si
Um indomável
Corcel.

E um coração
Apaixonado
Como Carlos Gardel.

III
Cansado
Da pátria placidez
E de sonhos
A transbordar,
partiu
Para não mais voltar.

E o ignoto médico dentista
- Asmático por sinal –
Transformou-se no símbolo
Da revolução universal.