quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O TEMPO

I
É o tempo
- o inexorável tempo -,
Que atenua a mágoa
E mostra
Quão profundas
Eram as raízes.

II
Um Verão vai
E outro vem.
E neste vaivém,
Decorre
A minha vida.

Esta vida que vai,
Vai e não vem.

III
Lentas,
As nuvens vêm
E vão.

Umas deixam (m)água
E outras não.

Ah, só o Verão,
Esplendoroso,
Alegra
O meu coração.

IV
O Outono,
Decididamente,
Não!





terça-feira, 30 de outubro de 2012

TERRAS DO MUNDO



MATA

SENHORA DO ALMORTÃO

Senhora do Almortão,
Que tendes linda morada,
Sois uma rosa em botão,
Sois uma rosa encarnada.

Só eu sei linda Senhora
Como é bom estar aqui.
Hoje não me vou embora,
Que de dia não vos vi.

Vou ficar prà procissão,
Vou ficar prà despedida.
Vou cantar todo o serão,
Prà promessa ser cumprida.

O VERÃO

Nas noites de verão,
Ficavam no poial.
Tão breve era a noite
Prò corpo descansar.

Era de sol a sol;
Era da convenção.
Tão ardente era o astro
Por conta do patrão.

Duro o queijo e o pão
Comidos com vagar.
Tão rápida era a sesta;
Nem dava pra sonhar.

Quando o dia acabava,
Depois do pôr-do-sol
Galhofeiros cantavam
A caminho de casa.

O INVERNO

Repentina a noite
Submergia as casas.
No lar, lenta ardia
Lenha de oliveira.

Um prato de sopa
E um naco de pão
Com conduto escasso
Eram a refeição.

Vinho não havia
-Tão caro era o vinho! -,
Borrego guisado
P’las bodas e festas.

Dormia-se mais;
Amava-se mais.
Singela era a vida;
Tão penosa era vida!

domingo, 28 de outubro de 2012


SESIMBRA


Sesimbra encanta e seduz,
Quando se veste de azul.
Ali, tudo é cor e luz.
Terra ímpar de norte a sul.


Sesimbrense de adopção;
Ali, amo terra e mar.
Por ela meu coração
Bate, bate sem parar!



S. PEDRO DA MATA

S. Pedro, Senhor S. Pedro,
Ó minha cereja madura!
Detrás da vossa capela,
Põe-se o sol e nasce a lua.


S. Pedro, Senhor S. Pedro,
Ó minha cereja maior!
Detrás da vossa capela,
Nasce a lua e põe-se o sol.


S. Pedro, Senhor S. Pedro,
Quem vos varreu a capela?
- Foram as moças da Mata,
Com raminho de marcela.


S. Pedro, Senhor S. Pedro,
Quem vos varreu o terreiro?
- Foram as moças da Mata
Com raminho de loureiro (*)




  • É uma cantiga de romaria, em honra de S. Pedro.
  • Pertence ao folclore da Mata. Fica aqui reproduzida para
  • Que se não perca.
  • in Fragmentária Mente, 2009
Vale da Senhora da Póvoa,
foto da EB1 do Vale da Senhora da Póvoa

NOSSA SENHORA DA PÓVOA

             Ao Dr. Torrão, anfitrião de poetas.
Nossa Senhora da Póvoa,
No Vale, tem sua morada,
Onde vela toda à hora
Por quem passa na estrada.

Por quem passa na estrada,
Por quem vai ao Sabugal.
Vive ali tão recatada
No seu meio natural.

O seu sereno sorriso
Transmite serenidade.
Vive ali no paraíso,
Vero reino da bondade.

Nossa Senhora da Póvoa
Dai-nos saúde e alegria;
E aos nossos moços e moças
Dai-lhes força e valentia.

Eu hei-de dar à Senhora
Um vestido de valor
De puro linho de outrora
Vindo de Penamacor.
in FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009

DO MEU DIÁRIO

Neste castelo, em Guimarães (PORTUGAL), 
nasceu Afonso o fundador.

Santa Iria de Azóia, 28 de Outubro de 2012 – O senhor Passos Coelho, chefe do “troikano” executivo, falou ontem da necessidade de refundar o nosso processo de ajustamento das finanças públicas(?), que têm andado e vão continuar a andar muito desajustadas. Nomeadamente as minhas, e as da minha senhora, porque já nos cortaram os subsídios de férias e de natal e ambos sabemos que o pior ainda está para vir.
      E só temos que dar graças ao santíssimo, porque as coisas poderiam ser bem piores, 
     Falando de refundação: creio que é urgente refundar Portugal, mas prescindindo, nomeadamente, destes refundadores, que deram um notável contributo para termos chegado a este estado de grande esperança, mas que dão evidentes sinais de cansaço e é bem possível que não saibam conjugar o verbo refundar. É que até aqui têm apenas conjugado sem mácula os verbos cortar, despedir, ajustar e outros do mesmo campo semântico.
    Eu sou vivamente pela refundação, mas temos que deitar fora os monos velhos e ir ao IKEA e comprar mobiliário novo. Só com materiais novos! Só com mobiliário novo!
     Olha, esqueci-me das finanças públicas!

sábado, 27 de outubro de 2012

ROSA ENTRE HIBISCOS



Le beau sans mots



A terra lusitana é casa amável
para outros estrangeiros amável sim
mas com mãos de saque
nesta casa nosso engano pois não é
nem nunca foi a sério terra
nossa de todos nós iguais
mas desiguais no repartir do pão
nas casas desta terra


Carneiro, Eduardo Guerra, ALGUMAS PALAVRAS, Júlio Estudante,
Livreiro, poesia, nova realidade Tomar, 1969.

NOTA: publico como forma de homenagear um autor já esquecido do
público leitor de poesia e porque o poema tem uma imensa actualidade.
Conto com a compreensão dos detentores dos direitos.
FOTO-NET-CMP


PENAMACOR

Dá-me, musa, inspiração
Pra cantar Penamacor,
Que é terra de devoção,
De muito frio e calor.

À velha Penamacor
Deu o rei Sancho foral.
Fê-la vila de valor,
Entre as beirãs sem rival.

Ribeiro Sanches, doutor,
Judeu de saber profundo,
Nasceu em Penamacor,
Mas cedo foi correr mundo.

Paris, Moscovo, Paris.
-Tanta vida numa vida!-
Portugal uma cicatriz,
Que o mestre nunca olvida.




POEMA XV

Seremos sempre cúmplices do silêncio
nada mais vagueia no
infinitamente grande espaço
só o chocalhar dos rebanhos
que também se chama solidão

só o cantar longínquo
das feras tão perto de nós
fora das águas e dos abrigos
apenas o rasto desaparecido
de tantas figuras e humanas
criaturas tão terrenas

apenas teu o cabelo de princesa
o rosto vagabundo da noite
contigo debruçada sobre a mesa

Ribeiro, José Antunes, FRAGMENTO E ENIGMA, Ulmeiro, Lx., 1985

sexta-feira, 26 de outubro de 2012


INSÂNIA DE ULISSES

Não vou a Tróia: aflige-me a loucura:
as areias da praia estão à espera
que eu are como um tolo irresoluto
a vastidão que as pôs ali dispersas.

Trabalho insano, mentecapto, estulto,
este do fingimento que flagela
a minha vida no seu frágil curso
como barco sem rumo remo e vela.

Que desvairo, o do esforço tão inútil
que nem uma passada, no percurso
há tanto iniciado, andou em frente...

A estranha agitação desta procela
que m' abana as entranhas mas quieta
não sabe onde começa acaba tal demência.


Salvado, António, Àguas do Sono, ulmeiro, 1ª ed., Lx., 2003

RIO


O Vasco da Gama é o clube dos portugueses
do rio e de muitos brasileiros, decerto.
Pe. António Vieira, bom, um da casa, um amigo, um irmão.

LE BEAU SANS MOTS



O BELO mora algures no mundo



"CACTUS"



"Cactus"

LOURES


Há três noras que poderiam ser recuperadas.


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

ORQUÍDEAS




Choisissez!


OUTONO

Está de volta o Outono
- Muita chuva e ventania -,
Agora tenho mais sono
Preguiça e melancolia.

Detesto os dias cinzentos
Com o céu ameaçador
E as noites longas e os ventos,
Que são, ó deus, um pavor.

Este Outono é muito triste:
Falta o trabalho e o pão.
E o povinho a tudo assiste,
Incapaz de dizer não.

Somos animais de carga
Ou de canga, tanto faz.
Dão-nos esta vida amarga
E mantém-se tudo em paz.

 Já se nota bem o medo,
Entre o povinho rasteiro,
Que se mantém surdo e quedo
Sem trabalho e sem dinheiro.

Neste Outono quase Inverno,
Portugal está doente.
Isto vai ser um inferno,
Uf, um inferno inclemente!

Diz-se já que falta o pão,
Em muitas das lusas casas.
O casqueiro, patrões, não!,
Que isto vai ficar em brasas.

Quando chegar a tal hora,
A hora de toda a verdade,
Os da massa vão-se embora
E o povinho berrar há-de.


ALENTEJO

Indolentes são as casas;
Indolentes são as árvores;
Indolentes são os homens.


Indolentes são os tempos;
Indolentes são as f’ridas;
Indolentes são os ventos.


Indolentes são, ai amigos,
Os cantos e a solidão!


DO MEU DIÁRIO


Santa Iria de Azóia, 13 de Dezembro de 2011 – Era bom que alguém levasse aquela senhora alemã, que quer governar toda a Europa, a um bom oftalmologista. É que eu vejo a senhora sem óculos – e não topo se usa, ou não, lentes de contacto – e sei que ela sofre de miopia. De uma miopia tão grave, que um dia há-de ter que comprar um cão para poder andar na rua.
     Édipo ainda teve Antígona, boa filha e também boa irmã, que o amparou, quando, finalmente percebeu a causa das desgraças que se abatiam sobre Tebas e teve de deixar o poder. Édipo cegou-se e quis expiar todos os seus crimes, chamemos-lhe assim. A sr.ª Ângela, que de anjo pouco terá, terá mesmo de comprar um cão, porque quando cair em Berlim, não terá nenhuma Antígona a seu lado.
     Mas era óptimo que levassem Merkel a um bom oftalmologista - nunca a Medina Carreira nem a António Barreto -, porque a miopia da senhora já trouxe muita desgraça e mais desgraça trará, se não lhe receitarem um eficaz par de óculos.
     Sim, o problema da Europa e do Ocidente é a desindustrialização. Mais o capital beduíno e as holandas e os patriotas do cifrão, que tudo vêem e tudo medem em função dos seus mesquinhos e insaciáveis interesses. E também do espírito santo e de todos os espíritos santos lusos e do mundo inteiro.

DO MEU DIÁRIO


Santa Iria de Azóia, 25 de Outubro de 2012 – Dizer que este governo é composto por gente impreparada – não se confundam habilitações académicas com o que quer que seja -, vingativa e pouco séria, nos planos intelectual e político, é dizer o óbvio. Esta gente, que chegou ao poder a prometer menos Estado e melhor Estado, a garantir o SNS e menos impostos e, sobretudo, transparência, já mostrou a massa de que é feita.
     Afinal de contas, faz exactamente o contrário do que prometeu: ataca ferozmente o SNS, revela um enorme desprezo pelos funcionários públicos e pelos trabalhadores em geral, quer o empobrecimento de Portugal e dos portugueses, mantém os privilégios dos do costume. E vai nomeando assessores, ou seja, mocinhos e mocinhas de 27-28, que são um encargo de monta para o Estado, quando os mais desgraçados têm de pagar tudo com língua de palmo e meio. Estes assessores são os “apparatchiks” de hoje e os futuros governantes de amanhã.
     Este governo só sabe conjugar um verbo: cortar. E que conjuga de uma forma imparável. É saber pouco, ainda que nas actuais circunstâncias já seja saber de mais.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

DO MEU DIÁRIO

Google

Santa Iria de Azóia, 28 de Outubro de 2000 - O Benfica elegeu ontem os novos corpos sociais. Terão votado mais de vinte e duas mil almas, vindas de todos os cantos de Portugal. Para tão elevada participação contribuíram os canais de televisão, públicos e privados, mais os privados do que os públicos, que promoveram este evento da vida do Benfica até à náusea.
      Não há nenhum argumento racional que suporte este comportamento das televisões, a não ser o que radica na lógica absurda, estúpida e espúria das audiências. Se era para esta porcaria que se exigia o fim do serviço público de televisão, então é certo que regredimos muitos anos. Em nome da decência e da saúde pública, eu quero pagar mais impostos para que o Estado possa aguentar a RTP-1 e sobretudo a RTP-2.
     O país que nos anos subsequentes ao 25 de Abril era habitado por cidadãos generosos e empenhados, às vezes excessivamente generosos e empenhados, tornou-se com o advento das televisões privadas num território de carneiros domesticados.


DO MEU DIÁRIO


Santa Iria de Azóia, 23 de Outubro de 2000 - Cavaco Silva fez duras críticas à governação do Partido Socialista. Disse que a opção pelo não aumento dos combustíveis em consonância com os aumentos do crude foi o maior erro político dos últimos vinte anos. E falou mesmo de insensibilidade social e coisas afins.
      É preciso relativizar aquilo que diz o Prof. Cavaco: primeiro, porque o fez numa iniciativa do PSD-PPD; segundo, porque  o senhor Professor é homem de digestões muito difíceis. O mesmo homem que ia criando o mito do rigor e competência corre o risco de se tornar num tagarela. A vida não é só feita de vitórias. Esta é a Quaresma do PSD-PPD e tem de se aguentar à bronca: muito jejum e alguma penitência. Ou não é verdade que durante dez anos os pepedistas foram os donos e senhores do reino?
     A governação do país não prima pelo rigor e competência. É consabido que o PS é um relaxado contumaz, mas credite-se a seu favor um maior apego às liberdades públicas e uma maior propensão para o diálogo, que são valores que o PSD-PPD nunca soube cultivar.

Moscavide, 29 de Setembro de 2000 -  O pecado da gula anda associado aos excessos de comida e de bebida. E é, indiscutivelmente, um dos pecados mais recorrentes nos países católicos, apostólicos e romanos e protestantes da Europa Ocidental. Poder-se-á dizer, para evitar discriminações obvias, que é o pecado mais recorrente de toda a Civilização Ocidental.
     Quando os portugueses reflectem acerca da vida e dos seus valores mais altos, dizem normalmente que não há nada melhor do que comer, beber e... passear. E se atentarmos na prática dos povos da União Europeia, verificamos, com muita facilidade, que todos incorrem no mesmo tipo de delito, à luz da doutrina da Igreja: os protestantes do Norte bebendo álcool em excesso, os católicos do Sul, comendo e bebendo excessivamente.
     No caso concreto do português comum, ainda que não conheça casos como os descritos por Rabelais no Pantagruel ou por Garcia Marquez nos Cem Anos de Solidão, poder-se-á dizer que se trata de um bom garfo e de um bom copo e a sua imaginação não tem limites: come bifes de atum, de espadarte, de porco, de peru e até de frango. Mas o verdadeiro português - o mais arreigado às tradições nacionais - adora sopinha de feijão e juliana, favas cozinhadas de todas as formas e feitios, feijoada à transmontana, grão com bacalhau e bacalhau cozinhado de trezentas e sessenta e cinco formas diferentes, nos anos comuns, rancho à transmontana, grão à campaniço, carne de porco à alentejana e... até cabra de chanfana, etc., porque a lista, podia ser mais exaustiva.

    No domínio das sobremesas refiro o vulgar arroz-doce, o pudim, a mousse de chocolate, o leitinho-creme, o pudim-molotove, a tarte-de-maçã, a tarte-de-amêndoa, a torta-de-laranja, a torta-de-cenoura, as farófias, as tigeladas, a baba- de-camelo, as barrigas-de-freira e os suspiros. E tudo juntinho com hífenes.
     No domínio das bebidas, é como o Jacinto: ou branco ou tinto. De preferência muito e português. E para rematar um opíparo repasto - nada de uísques ou conhaques - uma bagaceira genuína, produzida por um parente, na província.
     Lidos ou ouvidos os últimos parágrafos, qual de vós, caros leitores não cometeu já o pecado da gula, pelo menos em pensamento? Qual de vós terá esquecido o resto da sobremesa que o colesterol e a diabetes desaconselha, do bagacinho que o Código da Estrada pune, do pastelinho que a linha reprime?
     Não falarei, por uma questão de decoro, das múltiplas acepções do verbo comer. Romanizados muito cedo, permanecemos irredutíveis seguidores desse grande povo que adorava o convívio e a mesa. Peço-vos encarecidamente que transmitais aos vossos filhos o gosto imoderado pela comida, para que jamais sejamos assimilados por hábitos alimentares estranhos à nossa tradição cultural. Confesso que sofreria imenso se visse os portugueses rendidos à cultura do hambúrguere  e da  Coca-Cola . O exemplo americano é paradigmático: grandes e desconformes físicos, passe a pequena redundância, mas um chocante desconhecimento no tocante (conheço uma pessoa nos impostos, que substitui tocante por tange, na prosa das circulares. Acode-lhe, Orfeu!) aos prazeres da mesa. Preservemos, pois, caríssimos concidadãos, o queijo da serra genuíno, as fêveras e a entremeada dos nossos porcos de montado; os rojões à moda do Minho e a carne de porco à alentejana; o vinho das nossas adegas particulares, porque esta é a forma mais autêntica de afirmarmos a nossa identidade nacional .  


DO MEU DIÁRIO






Azambuja, 8 de Julho de 1999 – Algumas coincidências:

1. Concordo com o irlandês citado por Borges. É facto incontroverso que Cristo nos deixou “esplêndidas metáforas e uma doutrina do perdão”.

2. Num romance que falhei, aludia à pira que era a rainha Dido. Descubro agora, sem surpresa, esta frase de Borges: “ Cantei a pira da luminosa rainha”. É a prova provada de que os arquétipos existem.
3. Escreveu Borges que o Tempo “Sonhou a música que pode prescindir de espaço”. Ou que pode, a partir de um espaço diminuto encher a terra inteira, diria eu.
    
     Almocei com o Manel Vaz, na Andrade Corvo. Almoço sóbrio e barato. Regado a água como manda o politicamente correcto.
     Nestes almoços assim, regados a água, parece que fica sempre qualquer coisa por dizer. Não é minha intenção acusar o vinho de delator, mas lá que a língua fica menos solta, fica.
          Está a escrever melhor do que nunca.