sexta-feira, 12 de outubro de 2012

a ponte dos Suspiros de FERNANDO CAMPOS


Santa Iria de Azóia, 2 de Janeiro de 2007 - É consabido que tenho uma particular admiração pela obra romanesca de Fernando Campos, que é escritor e estudioso da língua portuguesa desde os anos quarenta do século passado, mas que só logrou a notoriedade há pouco mais de vinte anos. O autor de O Homem da Máquina de Escrever reiniciou a publicação de romances com A Casa do Pó, que já foi reeditado mais de uma dúzia de vezes. Igual sorte têm tido os restantes títulos dados à estampa pelo autor, o que demonstra que há um público para o chamado romance histórico e/ou para obras de ficção onde estão implicadas figuras históricas.

     Li a ponte dos Suspiros, durante esta quadra natalícia e só agora, porque a figura de Sebastião, ao contrário de João II ou de Damião de Góis, nunca me mereceu grande simpatia. Eu explico: origem de um mito – o do desejado –, que, ao contrário de outros mitos, se revelou improdutivo, no plano da realização nacional e responsável pela permanente letargia em que Portugal se encontra mergulhado.
     Neste romance, Sebastião regressa a Portugal, com um punhado de amigos e seguidores, chega a ir à cerimónia de investidura do cardeal Henrique, mas descobre por si mesmo que o ambiente lhe é hostil. As feridas estão ainda a sangrar. São muitos os órfãos, as viúvas e demais desvalidos da loucura de Alcácer-Quibir. Sebastião, que depois há-de ser por razões de segurança Savachão, sai do reino e inicia uma peregrinação, por países distantes, comendo e bebendo do que há, alheio agora às coisas boas dos ungidos por Deus para governar os homens. É o tempo de expiação das culpas.
     De Jerusalém vem para Veneza, onde afluem muitos dos senhores de Portugal. Entretanto, Sebastião explica ao arcebispo de Espálato quem é e como a pele é a sua, consegue convencer o clérigo, do mesmo modo que há-de convencer o papa. A partir  de um dado momento Frei Estêvão ganha a centralidade na narrativa, porque vem a Portugal recolher os testemunhos do barbeiro, do alfaiate e de outros que tinham privado com o rei, afim de eliminar quaisquer dúvidas. Ficamos a saber que coxeava, que tinha uma verruga num dedo do pé, que tinha menos um queixal e a picha torta. Removidas as dúvidas tudo deveria de ser mais fácil; porém, o rei Filipe II de Espanha não dormia e tinha industriado o seu corpo diplomático, no sentido de apanhar Sebastião. Nuno Costa, português, é o traidor que dá todas as informações, no sentido de contrariar os interesses de Sebastião e Portugal. É iludido, porque em Sevilha, segundo a ficção de Campos, morre Frei Estêvão e Marco Túlio, um sósia e fiel amigo de Sebastião e da causa portuguesa. Sebastião, o verdadeiro (?) desaparece no nevoeiro, na neblina, na bruma, para, no epílogo, ainda aparecer na casa de Teodósio, duque de Bragança, pai do futuro rei João IV, que o reconhece imediatamente.
     Para além da história, que agarra o leitor do princípio ao fim, à boa maneira dos melhores policiais, as obras de Fernando Campos valem pela captação do espírito da época, mormente ao nível da linguagem. Campos utiliza os mais variados registos, incluindo o calão, mas sempre com toda a propriedade e muito frequentemente até com imensa graça. Note-se também o “visualismo” da escrita de mestre Campos, que tem o condão de fazer passar as personagens pelos olhos do leitor, como se estivesse em frente de um ecrã. E tudo de um modo tão natural, que a ficção até parece realidade.



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