quarta-feira, 7 de novembro de 2012

DO MEU DIÁRIO


Lisboa, 3 de Fevereiro de 1997 - O romance O Manual dos Inquisidores de António Lobo Antunes não é um romance no sentido tradicional da palavra. Trata-se, com efeito, de um conjunto de relatos e comentários a cargo de familiares e outros intervenientes na intriga, todos próximos de um tal Dr. Francisco, ex-ministro do Dr. Salazar, que, pairando sobre todos os discursos, estabelece a unidade profunda da narrativa.
     A instituição de diversos narradores não é propriamente uma novidade na moderna narrativa portuguesa. Em Gente Feliz com Lágrimas, nos idos de oitenta, já João de Melo adoptara semelhante processo narrativo. A curiosidade maior do romance do autor de Cus de Judas residirá, em minha opinião, no magistral tratamento do tempo, ou seja, no uso das anacronias, que baralham qualquer leitor menos preparado. E ainda no modo como se organizam os planos narrativos, numa mistura de passado e presente, que tornam a escrita verdadeiramente torrencial.
     As personagens, medíocres pela natureza das coisas, tendo sobrevivido ao grande naufrágio, com um pé no passado e outro no presente, apresentam marcas de profundos traumatismos, que as impossibilitam de compreender o presente. Dir-se-ia que o universo diegético é tão louco e perverso como perverso e louco foi o regime de Oliveira Salazar, que Lobo Antunes caricatura com imensa mestria.
     Numa nota final, direi que algumas das personagens são totalmente inverosímeis, nomeadamente Titina que, apesar de ser governanta de um ministro do ditador de Santa Comba, não tinha que ser entendida em botânica. No país das hortênsias, uma criada a falar de hidrângeas, francamente! Ou ainda de arte etrusca e fenícia!

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