domingo, 22 de setembro de 2013


O ESQUIM GRAVE
 

     O Esquim Grave, que ainda se encontra entre nós e de boa saúde, pertence à geração de naturais da Mata anterior à minha. Deve andar pelos setenta, mais um, menos um. E por isso mesmo, nunca jogámos à bola juntos, mas vi-o jogar muita vez. Chamavam-lhe o Torres, porque fugia um pouco àquela mediania rasteirinha dos homens da aldeia. Porém, as semelhanças com o chamado Bom Gigante prendiam-se apenas com a pretensa similitude de ambos em matéria de altura. Era como chamar Puskas ao João Passarinha.

     O Esquim Grave era de facto corpulento e interessava-se muito pelo fenómeno desportivo. E a necessidade, por míngua de jogadores, fez dele um jogador imprescindível. Jogava-se então à frente da capela de S. Pedro, sem balizas, sem quaisquer marcações, num pedaço de terreno irregular, com algumas oliveiras no meio. Seu irmão, o Tonho Grave, era guarda-redes, mas só de nome, porque nunca teve redes para guardar.

     O Esquim Grave, por quem tenho muita estima, sempre teve uma voz forte. Ainda hoje, quando este homem fala, ouve-se. Até a dar a salvação. Naqueles tempos de juventude, quando decorria a partida, que podia durar uma tarde inteira, a voz do Esquim Grave ouvia-se bem, porque era forte e tinha um timbre muito próprio: passa a bola, aí vai, segura, toma, boa, etc., eram palavras que todos podiam dizer, mas não daquela forma tão peculiar como ele as pronunciava.

     E o tempo foi passando e um dia arrumou definitivamente as botas, quer dizer as sapatilhas ou as botas normais dos dias normais, porque não havia equipamentos. Jogava-se com o que se tinha e as coisas eram divertidas, porque na mesma equipa podia haver jogadores com camisolas ou camisas das mais diversas cores. Os dois capitães escolhiam, à vez, do lote de futebolistas disponíveis, Onze para cada lado nunca, que o campo era pequeno e os jogadores poucos. Era um espectáculo! Sempre com muita discussão e muitos golos e, regra geral, sem árbitro!

     O Esquim Grave já era artista na construção civil. E na construção civil trabalhou muitos anos em Portugal e em França. Mais tarde tornou-se trabalhador agrícola por conta própria e alheia, usando, para o efeito, um tractor que, não há muitos anos, lhe ia sendo fatal. Também se dedicou à pastorícia. E nestas actividades, creio que ainda não arrumou as botas.  Um verdadeiro homem dos sete ofícios, mas do que eu queria mesmo falar era do Torres, que, apesar da falta de jeito, era um jogador imprescindível na equipa da Mata.

      

Sem comentários:

Enviar um comentário