quinta-feira, 5 de setembro de 2013


O SENHOR PROFESSOR

Foto: João Leitão 

Era um homem forte e de altura mediana, tendo em conta os padrões da época. Foi militar e fez comissão em Moçambique, muito antes do início da Guerra Colonial, com o posto de tenente. Era um bravo, facto que lhe valeu o cognome de “Afonso Henriques”.

     Era um homem exacerbadamente patriota – esta justiça faço-lha sem quaisquer problemas -, que ensinou várias gerações de habitantes da Mata, aproveitando bem as circunstâncias de ser um homem instruído e de acordo com a Constituição 33.

     Não era dado a grandes pedagogias. Os alunos acabavam por adquirir conhecimentos repetindo as matérias ministradas vezes sem conta. E também através do uso de uma régua de madeira, que era uma ferramenta para a instrução e para a educação. Ainda me lembro da repetição dos verbos, à hora do almoço, em que cada aluno era um tempo e um modo.

     O senhor professor era também uma vigilante de boas práticas. Os alunos tinham que ir à missa e à catequese e não se podiam deitar tarde. E tinham ainda que ajudar na colheita da azeitona, na vindima e na apanha dos produtos da terra, no seu “Chão”, onde havia oliveiras, sobreiros e muitas árvores de fruto. Até maçãs reinetas!

     O senhor professor era um homem de humor muito variável, porque a senhora professora, sua senhora, era muito doente dos nervos; e, é bom de ver que uma mulher nervosa torna um homem instável. E ao contrário, creio, também é verdade. Almoçavam na escola, onde a criada trazia o almoço, e ali ficavam até ao fim das aulas. A limpeza da escola ficava a cargo dos alunos, porque não havia dinheiro para mais.

     Ainda me lembro do senhor professor a palitar os dentes com um aparo daquelas canetas de madeira de molhar no tinteiro. Se calhar ficava melhor dizer aparar os dentes, já que usava um aparo metálico. Mas fica assim e penso que se percebe.

     Eu também ia para o “Chão” do senhor professor e até para a “Lajinha” e para o “Barreiro Vermelho”. Era uma forma de complementarmos a nossa parte prática da aprendizagem para a vida. Era giro, muito giro, que durante o caminho o senhor professor perguntava: “Como se chamava a mãe de D. Afonso Henriques” e nós respondíamos em uníssono: ”D. Teresa”. E as perguntas sucediam-se até ao local dos trabalhos agrícolas.

     Acabámos incompatibilizados, porque o senhor professor, em 1969 me viu na execução de trabalhos da CDE (Comissão Democrática Eleitoral), no armazém do meu amigo Carlos Vale, na Rua J. A. Morão, em Castelo Branco. Tinha dezassete anos, a seguir emigrei e nunca mais voltámos a falar. E ainda bem!  

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