terça-feira, 3 de setembro de 2013


TI JAQUIM AMARO (CABEÇUDO)

 


     Veio dos Escalos de Cima para casar rico na Mata. E na Mata ficou até ao fim dos seus dias. Nunca conquistou a simpatia do povo, que o alcunhou de “Cabeçudo”. Casou rico, dizia-se, mas nunca deixou de trabalhar, apesar de ter muito de seu, comprado ou herdado. Era um homem baixo e forte, que usava invariavelmente calças com peitilho e alças.

     Teve popó, camionetas e outros veículos a motor, moagem de cereais e até parte num lagar de azeite, como se diz na Mata. E teve uma loja de aldeia, onde se vendia de tudo, desde bacalhau e toucinho, até petróleo e tecidos. Antes da chegada da electricidade teve um petromax, do qual falarei mais à frente.

     Genro de Ti António Tomé, que apesar de ter muitos bens nunca lhe foi outorgado o tratamento por senhor, porque esse tratamento estava reservado aos mais ricos, já ricos de berço, e também ao professor primário e ao senhor capitão, que chegou postumamente a coronel e que depois de morto ainda havia de protagonizar uma das cenas que mais me marcaram. Ti Jaquim Amaro era tratado das duas maneiras: Ti Jaquim e senhor Jaquim. Presumo que esta indecisão radicava no facto de não ter nascido na nossa terra.

     Eu tive sempre uma boa relação com o Ti Jaquim Amaro, vá lá saber-se porquê, e conversámos muito ao longo da vida, sentados no poial que havia à porta da sua residência e da sua loja. Também era naquele poial que por vezes se sentava o senhor Francisco Melo, o homem mais rico da aldeia, pai do único general que a Mata deu à Pátria. E ambos falaram muito da emigração, que viria a pôr em causa o seu mundo próspero, que assentava na abundância de mão-de-obra barata.

     Certo dia, ou para ser mais preciso, certo fim de tarde, fui fazer um recado à minha mãe, quando Ti Jaquim Amaro se preparava para acender o petromax. Era um processo lento, que consistia no aquecimento de uma camisa, que, uma vez ateada, daria luz para o resto do serão. Eu olhava atentamente para o petromax, que em minha casa não havia, e o nosso merceeiro disse-me, como que prevendo, o que se passaria a seguir: “Vou ali buscar… não mexas na camisa do petromax”. Mal voltou as costas, a medo, aproximei o dedo da camisa branca, ainda não acesa e zás!

    Desfeita a camisa, lá me foi intimidando: “Diz à tua mãe para vir falar comigo, para me pagar a camisa”. Meio atarantado pedi desculpa, paguei o que comprara e fui cabisbaixo para casa e contei o sucedido a minha mãe. E tudo se resolveu sem quaisquer problemas. Deste acidente falámos muita vez, mas sem quaisquer ressentimentos, porque, na verdade, gostávamos um do outro.  

    

    

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