terça-feira, 3 de setembro de 2013


A RUA DE SANTO ANTÓNIO
 
 
 

 Era nas águas-furtadas a nossa casa. Era velha e com poucas condições, mas tinha uma claraboia, por onde, quando havia, entrava a luz do sol. Era no número vinte e um da rua de Santo António, quase no coração da cidade. No rés-do-chão, era a mercearia do senhor António Canaveira.

 Em frente, havia uma agência de viagens, onde trabalhava uma rapariga vistosa, com quem, na solidão dos meus pensamentos, fiz as primeiras grandes viagens. Era uma rapariga alegre, que vestia roupas alegres e tinha um sorriso alegre e branco e amplo e um corpo ágil de gazela. Um dia a agência fechou as portas e a rapariga mudou de ares, qual ave de arribação. Se me tivesse pedido, apesar da idade, creio bem que tinha partido com ela. Ah, como batia forte e apressado, naqueles dias, o meu pobre coração!

E o tempo, esse inigualável fazedor, fluía placidamente. Placidamente, que é assim que deverá fluir o tempo. E tudo era normal e rotineiro, até a passagem diário do batalhão, o seis de caçadores, que passava na rua de Santo António ao som do tã…tão…tã-ta-ra-rã dos tambores e do op, dois, erdo, direito dos cabos milicianos.

A nossa casa era nas águas-furtadas do número vinte e um da rua de Santo António e era a foz de um rio de gente que ali vinha pedir um pequeno favor, como visitar, no hospital, um doente ou comer um simples prato de sopa.

Aquelas águas-furtadas eram a casa da gente.

 

  
in AO SABOR DOS DIAS, no prelo.
 

Sem comentários:

Enviar um comentário