TI
ZÉ FERREIRO
Ti
Zé Ferreiro foi um dos dois ferreiros da Mata, que conheci na minha infância
matense. E a alcunha Ferreiro colou-se-lhe de tal modo à pele, que nunca soube
ao certo o verdadeiro apelido deste homem. É o único caso, na Mata, em que a
alcunha condiz com a respectiva profissão. Tinha oficina na rua do Arrabalde,
no espaço agora ocupado pela casa de Manuel Gazula.
Andava sempre vestido com um macaco de
agrim, que era assim que se chamava, na nossa terra, a uma espécie de ganga. Não
teria muito trabalho como ferreiro; e, por isso mesmo, exercia também a
profissão de ferrador. Colocava canelos às vacas e ferraduras a cavalos, machos
e burros. E às respectivas fêmeas. Sempre sem pressas, mas muito metódico e
eficaz, tratava de todas as bestas que viviam paredes meias com os habitantes
da Mata e que muitas ajudas lhes prestaram durante centenas de anos.
Ti Zé Ferreiro tinha uma estrutura com
aberturas, onde os animais entravam para tratar das meias-solas. O artífice
ficava assim protegido de eventuais coices, enquanto raspava cascos e pregava
cravos nas patas das alimárias, a fim de fixar as ferraduras. E tudo se via da
rua, porque a oficina teve sempre um aspecto decrépito, como quase todas as
oficinas de ferreiro. Da rua se via também aquela pequena forja onde se
incandescia o ferro para ser trabalhado.
Era um homem alto e muito magro, que,
apesar de ferreiro e ferrador, também ia cuidando da sua horta. Era pouco dado
a permanências nas tabernas, apesar de ter fama de folião. Estou a vê-lo de
cestinha ou de caldeiro no braço, quando ia ou vinha da sua actividade de
agricultor. Tinha um potro, que o levava para o seu chão, ao fundo da rua do
Espírito Santo, já muito próximo do lagar do Tomé.
Lembro-me de Ti Zé Ferreiro, com outros
homens, envolvido nas representações carnavalescas, os nossos “entrudos”, com
vários intervenientes vestidos de forma andrajosa ou com roupas de mulher,
através das quais se satirizavam situações mais ou menos burlescas ocorridas
durante o ano transacto.
Dele se conta que dizia ao filho, quando
este chegava tarde a casa: “Ó Manuel, não achas que chegas tarde de mais a
casa?”. Certo dia, quando o filho chegou já o sol tinha nascido e Ti Zé
Ferreiro terá dito com graça:” Hoje chegaste cedinho, Manuel”. Verdade ou
mentira, contava-se esta historieta.
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