segunda-feira, 16 de setembro de 2013


TI ZÉ FERREIRO


     Ti Zé Ferreiro foi um dos dois ferreiros da Mata, que conheci na minha infância matense. E a alcunha Ferreiro colou-se-lhe de tal modo à pele, que nunca soube ao certo o verdadeiro apelido deste homem. É o único caso, na Mata, em que a alcunha condiz com a respectiva profissão. Tinha oficina na rua do Arrabalde, no espaço agora ocupado pela casa de Manuel Gazula.

     Andava sempre vestido com um macaco de agrim, que era assim que se chamava, na nossa terra, a uma espécie de ganga. Não teria muito trabalho como ferreiro; e, por isso mesmo, exercia também a profissão de ferrador. Colocava canelos às vacas e ferraduras a cavalos, machos e burros. E às respectivas fêmeas. Sempre sem pressas, mas muito metódico e eficaz, tratava de todas as bestas que viviam paredes meias com os habitantes da Mata e que muitas ajudas lhes prestaram durante centenas de anos.

     Ti Zé Ferreiro tinha uma estrutura com aberturas, onde os animais entravam para tratar das meias-solas. O artífice ficava assim protegido de eventuais coices, enquanto raspava cascos e pregava cravos nas patas das alimárias, a fim de fixar as ferraduras. E tudo se via da rua, porque a oficina teve sempre um aspecto decrépito, como quase todas as oficinas de ferreiro. Da rua se via também aquela pequena forja onde se incandescia o ferro para ser trabalhado.

     Era um homem alto e muito magro, que, apesar de ferreiro e ferrador, também ia cuidando da sua horta. Era pouco dado a permanências nas tabernas, apesar de ter fama de folião. Estou a vê-lo de cestinha ou de caldeiro no braço, quando ia ou vinha da sua actividade de agricultor. Tinha um potro, que o levava para o seu chão, ao fundo da rua do Espírito Santo, já muito próximo do lagar do Tomé.

     Lembro-me de Ti Zé Ferreiro, com outros homens, envolvido nas representações carnavalescas, os nossos “entrudos”, com vários intervenientes vestidos de forma andrajosa ou com roupas de mulher, através das quais se satirizavam situações mais ou menos burlescas ocorridas durante o ano transacto.

     Dele se conta que dizia ao filho, quando este chegava tarde a casa: “Ó Manuel, não achas que chegas tarde de mais a casa?”. Certo dia, quando o filho chegou já o sol tinha nascido e Ti Zé Ferreiro terá dito com graça:” Hoje chegaste cedinho, Manuel”. Verdade ou mentira, contava-se esta historieta.

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