quinta-feira, 5 de setembro de 2013


CASTELO BRANCO
 

 E havia aqueles dois senhores, que eram da PSP e trajavam à paisana: um era o senhor Pudico e o outro era o senhor Outro. Tinham por missão zelar pelos costumes e impor o respeitinho. Visitavam o subversivo Vidal, que vendia muita prosa vil e acolhia perigosos homens do contra: o alfaiate Matos Pereira, o industrial Armindo Ramos e o advogado João Vieira. E outros, que o quiosque estava licenciado e a entrada era livre.

O senhor Pudico usava gabardina, no Inverno, como o inspector Colombo de uma série televisiva, e chapéu todo o ano, por respeito à convenção. O Outro, já não me recordo se tinha gabardina, mas também usava chapéu. E óculos para poderem ver melhor os títulos subversivos, que um tal Vilhena teimava em publicar: O Filho da Mãe, Marmelada, A Vaca Borralheira, As Canetas dos Amantes, etc. E quedo-me por aqui para não alongar o rol.

O senhor Pudico e o senhor Outro, que levavam a sua nobre missão a sério, eram pessoas muito sós, porque, lá bem no fundo, só se tinham um ao outro. A cidade olhava-os com desdém, porque o senhor Pudico e o senhor Outro eram o retrato vivo da vigilância, num país vigiado até nas coisas mais simples e íntimas.

 O senhor Pudico e o senhor Outro não liam livros. Apreendiam livros. O senhor Pudico e o senhor Outro não conversavam. Ouviam conversas O senhor Pudico e o senhor Outro não viviam, andavam por ali, enquanto a cidade vigiada trabalhava, lia e conversava.

 in "AO SABOR DOS DIAS", no prelo.

 

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