terça-feira, 17 de setembro de 2013


TI JOÃO BERNARDO
 

    Era pastor de rebanho próprio e tinha algum património; porém, o melhor património era a sua bondade pessoal. Era nosso vizinho e foi sempre meu amigo e da minha família; e, por isso mesmo, eu fazia-lhe os recados de boa vontade.

     Quando guardava o rebanho, quer na sua tapada, quer na tapada do senhor capitão, onde foi construído, ainda nos anos sessenta, o posto da GNR, ti João Bernardo chamava-me, dava-me a garrafa que trazia no bolso do casaco e dizia: ”Vai ali ao Prata e diz-lhe que a encha”. E lá ia eu, de garrafa na mão, para rapidamente a trazer cheia de vinho tinto do pipo. Era uma garrafa de meio litro, ou coisa parecida, que era o vinho que havia de beber antes do périplo pelas tabernas da Mata. Quando eu chegava, ainda antes de beber, ti João Bernardo oferecia: ”Dá aqui um golinho”. Invariavelmente eu dizia que não e lá continuávamos o brincar com a cadela, que se chamava Ligeira.

     Ti João Bernardo tinha várias laranjeiras de grande porte no terreno da horta e também uma tangerineira. Daí que tivesse sempre, na época própria, laranjas e tangerinas para me dar. “Vai lá outra vez encher a garrafinha”, dizia Ti João Bernardo, naquele seu jeito de boa pessoa.

     Às vezes, quando vinha com a fatia do pão para comer na rua e a talhadinha do  queijo, ou da morcela ou da farinheira, Ti João Bernardo testava-me: “ Deita aí a morcela à Ligeira, se queres ver que lhe cai o rabo”. Eu negava-me imediatamente e ambos ríamos.

     Bebia excessivamente e o excesso terá sido a causa da sua morte. Quando deslocava o seu rebanho para a tapada junto à chamada Quinta da Mata, fazia um percurso tal, que parava em todas as tabernas da aldeia para beber o seu meio quartilho de vinho. As ovelhas e a cadela, conhecedoras dos hábitos do dono, paravam à porta de todas as tabernas.

     Foi com Ti João Bernardo que me apercebi, muito cedo, da problemática da transumância. Conjuntamente com outros donos de rebanhos, procurava pastos na zona da serra da Gardunha, durante o Verão, regressando no Outono quando os campos começavam a verdejar. Eram meses difíceis de solidão e outras carências. Hoje, felizmente, o mundo é muito diferente e nunca mais voltará a ser como naquele tempo.

     Entregou a alma ao Criador, em 65 ou 66 do século passado. Hoje, seria ainda um homem novo. E se a memória não me atraiçoa, foi por alturas do S. João.

     Ainda hoje o recordo com imensa saudade.

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