terça-feira, 3 de dezembro de 2013


JOÃO BARRIGANA

 


     Homem de excessos, acertou cedo as contas com o Criador; como, de resto, já tinha acontecido com os irmãos. Terá chegado aos setenta, pouca idade para os tempos que vão correndo.

     Apesar da diferença de idades, tutuávamo-nos e conversámos muito. Cada qual com a sua pedra no bolso e vá lá saber-se porquê. Talvez a política, mas o que é um facto é que nunca discuti política com o João Faustino, apesar de ter sido durante vários anos presidente da junta de freguesia da Mata, que agora é dos Escalos de Baixo e Mata, devido à engenharia relvas.

     Gaguejava muito, mas ninguém ficava sem resposta. Dizia-se que ficou gago devido a um coiçe de burro, quando ainda era criança. Aprendeu uma profissão, emigrou, construiu um edifício polivalente, que servia de café, salão de jogos, salão para eventos e casa de habitação. O café do “Barrigana”, a dois passos do Largo do Rossio, onde outrora se esperava pacientemente um cântaro de água, nos dias longos do verão, dava à Mata uma nova centralidade.

     Nunca cheguei a saber se foi eleito como independente ou numa lista do PSD ou do PS. O que posso dizer é que a junta de freguesia era o João Barrigana, ou João Faustino, que para o caso pouco interessa, que tinha coadjuvantes mas que a personalidade do presidente eclipsava. O que nem era mau nem bom, porque o importante era fazer obras e creio que o João Barrigana mandou fazer algumas e parece que chateava nas reuniões da assembleia municipal.

     Uma vez perguntei a meu pai: “em quem é que vai votar, pai?”, que me respondeu muito prontamente: “vou votar no João Barrigana, que quando fui operado fez o favor de me ir dar sangue”. E contra factos não há argumentos. A resposta de meu pai desarmou-me e qualquer discussão não faria mais sentido. E creio que terá votado sempre no João, parente afastado por afinidade, que lhe dera sangue, numa das curvas apertadas da vida.

     Comigo a coisa piava mais fino. Quando o encontrava sentado ao balcão do café, agarrado à sua bejeca, tartamudeava sempre algumas palavras, quase sempre imperceptíveis, mas que eram invariavelmente uma pequena mas inofensiva provocação. Estava-lhe na massa do sangue; porem, nunca lhe quis mal por isso. Que a terra lhe seja leve!

    

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