terça-feira, 6 de agosto de 2013


TI MANEL BEATO

 


     O homem que hoje aqui recordo terá sido dos mais talentosos que a Mata pariu. E não tem parido, sabeis bem, grandes obras de arte. Pois Ti Manuel Beato fez questão de ser diferente e consegui sê-lo até muito tarde. Tivesse nascido num bom berço e a república inteira havia de se orgulhar deste nosso conterrâneo.

     Tendo idade para ser meu avô, conheci-o desde a mais tenra idade. Desde sempre, para ser mais rigoroso. Muito falador – mas nunca falajador -, ainda hoje lhe reconheceria o timbre da voz. Tinha estatura mediana e cabelo branco. Os óculos, num certo sentido, conferiam-lhe um ar distinto, num tempo em que ninguém tinha doenças dos olhos.

     Fez um pouco de tudo na vida: negociante de volfrâmio, taberneiro, lojista, enfermeiro, agricultor, barbeiro e até odontologista. Agricultor havia de acabar, ou seja, em estreita comunhão com a grande mãe. Perseverante, Ti Manel Beato montou a sua bicicleta até cerca dos noventa e subia a Monheca indiferente aos anos. Foi o exemplo mais acabado de que um homem é aquilo que a sua cabeça lhe permite ser.

     Era um homem teimoso e não admitia que lhe fizessem o ninho atrás da orelha. E apesar da sua estatura mediana – hoje os padrões estão muito alterados, diz-se que à conta da farinha cerelac e de outros comestíveis modernos -, Ti Manel Beato não se furtava a uma discussão e de enfrentar fisicamente quem, prepotentemente, lhe quisesse dificultar a vida. Foi o caso de um administrador da Fábrica do Tomate do Ladoeiro, que lhe quis recusar a entrada de tomate da sua produção, por um qualquer fútil motivo, mas que acabou por aceitar a entrega perante a fúria de Ti Manel Beato. Já com setenta bem contados.

     O que Ti Manel Beato não conseguiu foi, na sua função de odontologista, extrair um dente a minha mãe. Sete vezes tentou e sete vezes falhou a extracção. Era a ferro frio - nada de anestesias – e conhecendo como conheço minha mãe, sei que a culpa não foi toda do pretenso dentista. Sete vezes tentou e sete vezes falhou.

     A sério e a mangar conversámos muito. Houve, desde sempre uma grande empatia entre nós, apesar dos cinquenta anos que nos separavam na grande tábua do tempo.    

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