quarta-feira, 7 de agosto de 2013


TI JOÃO PARRANÇO
 

     Ti João Parranço, tio de meu pai por afinidade, nascera na Bemposta, concelho de Penamacor, mas veio casar à Mata com uma filha de Francisco Lucas, meu bisavô. Pedreiro, era considerado artista na sua profissão. Sim, que ser pedreiro, ferrador, carpinteiro, padeiro, rebocador, canteiro, capador, e não me levem a mal um ocioso etc., era ter uma arte, era ser artista.

     Ti João Parranço, João Martins Félix era o seu nome civil e de baptismo, foi até à velhice um verdadeiro andarilho. Vinha e ia como lhe dava na real gana e trabalhava quando lhe apetecia. Pagou com o corpo a ousadia de ser avesso aos sedentarismos e àquele conjunto de regras comummente aceites. Passou muitas temporadas no sanatório das Penhas da Saúde, onde, quando piorava, tratava a tuberculose. Longe da família e a família longe dele, que o tratamento era recíproco.

     Recordo-me de Ti João Parranço, que me tratava por sobrinho, me oferecer rebuçados, mas sem nunca pegar com as suas mãos no que me oferecia. Dizia para o lojista, Joaquim Amaro: “Dê cinco tostões de rebuçados ao meu sobrinho”. E eu aceitava, contente, os rebuçados que o Ti João me oferecia.

     Bebia muito vinho e fumava desalmadamente; ou, pelo menos bebeu e fumou até muito tarde. Tinha uma voz pausada e rouca, que raramente dava mostras de exaltação. "O tempo é o melhor mestre dos homens, mas os homens não ouvem o mestre”, sentenciava. Mas tinha outros ditos – outros aforismos, se preferirem -, igualmente judiciosos, que a rapaziada nova ouvia mas não levava a sério.

     Ti João Parranço ajudou meu pai na construção da nossa primeira casa. E ambos construíram a casa de uma das minhas tias. Certo dia, Sentados em pedras, à sombra de uma oliveira cordovil que havia na tapada do professor, ali almoçámos todos, os dois casais e este escriba, que teria então quatro ou cinco anos. Ti Rita pegou num respigo de uva e deu-me. Minha mãe, atenta, perguntou: “Como se diz, Manel?” e o Ti João, rapidamente e antes de eu agradecer: “Que te dê mais!”.

     Às vezes, ainda o oiço: “Ó sobrinho, o tempo é o mestre dos homens, mas os homens não ouvem o mestre”. Como era sábia e sábia e pertinente continua a máxima que retive de Ti João!

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