segunda-feira, 19 de agosto de 2013


TI BARATA (CARECA)
 

     O meu avô Manuel Barata, que a Mata inteira conhecia por Ti Careca, era um homem pequeno de altura e magro. Usava chapéu preto de feltro que lhe tapava a calva, que esteve na origem da alcunha e até de uma cantiga burlesca que em tempos se cantou na aldeia. Todos os meus tios herdaram a alcunha. Sorte diferente teve o meu pai, que herdou a alcunha Doutor de um tio de meu avô.

     Ti Careca, Manuel Barata de seu nome completo, insistia em usar o apelido Martins para se distinguir de outro Manuel Barata, bom carpinteiro, que era seu vizinho. Foi ganhão e trabalhou no campo, enquanto a saúde lho permitiu. Depois, passava o tempo atrás de uma cabra e duas ovelhas e tratava da horta na Tapada da Bemposta. Como coxeava muito, gritava à cabra e às ovelhas, que até parecia que queriam fazer dele gato-sapato. Ajudei-o muito na rega da horta e ele descascava figos de piteira para mim.

     O meu avô era um homem muito dado a crendices; porém, raramente ponha os pés na igreja. Tudo o que lhe acontecia na vida, nomeadamente nos anos finais, era obra de espíritos e entidades afins. Até a tosse do tabaco e a pieira eram atribuídas às almas dos nossos antepassados.

     De madrugada, nos frios invernos da Mata, meu avô vinha tossir para o balcão da sua casa. E eu ouvia-o a tossir e a dizer a minha avó: “Maria, estás a ouvi-los?”. Não consultava o médico, mas acreditava em bruxas e soldadoras. Quantas vezes foi ao Pego, ali para as bandas de Abrantes, à procura de quem lhe esconjurasse os espíritos!

     Tenho boas recordações deste homem frugal, que apreciava mais um cigarro do que uma fatia de pão. Não tocava quase em vinho, mas consumia aguardente produzida por minha avó. É que da economia doméstica era a minha avó que tratava, porque o meu avô se demitira, quando deixou de trabalhar, de dar ordens a quem quer que fosse. Comia pouco e mal, levava o seu pequeno rebanho a pastar, regava a horta e fumava. E todos o tratavam com carinho.

     Sabia ler, mas não sabia escrever. Apesar de tudo, não deixava de ser extraordinário, quando o analfabetismo atingia a quase totalidade da aldeia. Nas vias-sacras, quando se faziam as paragens obrigatórias, era o meu avô que lia as orações. Porém, como se dava mal com as esdrúxulas, em vez de pérola lia “peróla”.

     Apesar de ser meu avô e padrinho de baptismo, nunca me terá dado um beijo. E só eu sei como gostava do meu avô!

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