terça-feira, 20 de agosto de 2013


ANTÓNIO VICENTE (PTCHIRRA)

 


     Hão-de dizer os meus fiéis e incondicionais leitores da Mata que só escrevo acerca de defuntos. Hoje, para vossa surpresa vou falar de um homem vivo, de quem sou amigo desde criança.

     Por isso recordo com alegria, um episódio passado há mais de cinquenta anos, quando eu quis aprender a arte de lavrar a terra com arado e macho. António Vicente, o Ptchirra, a instâncias minhas, concordou em dar-me aulas práticas, mas desisti rapidamente, porque mal aguentava a rabiça do arado de ferro e os regos saíam tortos. Foi no Salgueirinho, mas já não saberia ir ao local.

     Nunca mais falámos da minha curta aprendizagem de lavrar, apesar de termos falado muito durante toda a vida. Este homem, já a caminhar para os oitenta, bebeu, até muito tarde, excessivamente; todavia, não consta que tenha perdido dias de trabalho por razões etílicas. Às vezes, era teimoso e repisava as conversas, mas sempre tive a paciência necessária para o ouvir até ao fim ou para dele me despedir sem ofensas. E assim temos preservado a nossa velha amizade.

     Com o grão na asa e um brilhozinho nos olhos, ouvi-o dizer vezes sem conta: ”Não há cá na Mata uma família como a do velho Canuna”. Referia-se ao meu bisavô Francisco Lucas, pai de muitos filhos e outros tantos enteados, que teve taberna na rua do Arrabalde, ainda muito antes de eu ter nascido. Era o pai de minha avó Maria à memória da qual já dediquei poemas.

     Na verdade, a observação de António Vicente faz todo o sentido. Entre os netos e bisnetos de Francisco Lucas há uma caterva de licenciados, em quase todas as áreas do saber: engenharia, economia, matemática, gestão, direito, letras, medicina e outros técnicos de saúde, música, etc. Uma ínclita geração. Ou duas ou três ínclitas gerações. Alguns já sem ligação há Mata e sem saberem que têm na ascendência um bisavô ou tetra-avô de nome Francisco Lucas, o tal velho Canuna de que fala o senhor António Vicente.

     Sim, o senhor António Vicente - que ora me trata por Manuel, ora por senhor Manuel - merece-me igual forma de tratamento. Estou a vê-lo, com aquele seu sorriso maroto, a perguntar-me: “estás cá Manuel?”.

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