sábado, 25 de janeiro de 2014

JOÃO LEITÃO


     Conhecemo-nos desde sempre. E como a família Leitão tinha quase o monopólio das barbearias da Mata, é quase certo que o João Leitão me terá cortado o cabelo algumas vezes. Talvez ainda antes de se tornar sapateiro e acordeonista, que o João, apesar daquele seu ar simples e bondoso, tinha queda para fazer coisas como cortar cabelo, tocar acordeão e manufacturar calçado. Mas quem me cortou o cabelo a primeira vez, na barbearia, como os homens, foi outro Leitão, de nome José, pai de outro João Leitão. Duas barbearias, uma de cada lado da rua de Santa Margarida, que naquele tempo ainda não era de Santa Margarida, mas que tinham clientelas muito fidelizadas como se diz agora.
     O João Leitão era filho único, tal como este escriba das coisas da Mata; era, portanto, o ai – Jesus de Ti Ressurreição e de Ti Domingos Leitão, que tudo faziam para proporcionar uma vida melhor ao filho. Do João contam-se histórias hilariantes, maldosas certamente, como aquela de ter feito um par de sandálias para a mãe, ainda aprendiz de Ti Francisco Mendes, com o pequeno senão de ter feito as duas para o mesmo pé. Mentira pegada, seguramente, mas que servia para diminuir um jovem que se tornou um excelente homem.
     Quando decidiu aprender a tocar concertina, treinava horas a fio na casa onde funcionava a barbearia. É evidente que foi, antes de mais um autodidacta, ainda que recentemente me tenham dito que andou a aprender com o Alziro Galante, da Orca, que era um dos mais distintos acordeonistas de toda a Beira Baixa. Desse tempo de treino intenso conta-se que tinha uma melodia que ia com a seguinte letra: “ Eu vou, vou, vou…”, ao que Ti ressurreição perguntava: “onde vais, João?”, respondendo o filho, cantarolando: “ Vou ali ao quintal e venho já”. Histórias!

     Ainda hoje conserva aquela bonomia de juventude. Às vezes, parece um homem de outros tempos, ou seja, alguém que não acompanhou as mudanças. E viveu em França muitos anos, onde lhe nasceram os filhos. Vive sozinho na Mata, onde foi um excelente exemplo de amor filial. E está sempre pronto para ser útil a quem dele precisa. Creio que foi o João que fez a barba e cortou o cabelo a meu pai, ainda em nossa casa, antes de ter ido com as aves. Está a fazer cinco anos. E este retrato é uma forma singela de lhe agradecer a generosidade.   

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