segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

ESTOU SÓ E SINTO FRIO



FILIPA BARATA



ficarei a noite inteira por detrás desta janela
sem vidros
o vento fere-me
estou só e sinto frio

de olhos postos na noite
recordo o dia

ouço-nos correndo pelo caminho abandonado
ao sol de verão
olho nas mãos as manchas de sangue
das amoras que colhemos na velha amoreira – frondosa de incertezas
junto à igreja

recordo os rostos
de pedra enrugados,
rostos de sol   de chuva   de vento
estão à porta das casas
na tarde quente
olham com estranheza quem chega

pelas ruas escuras de casas quase
em ruínas
emerge o cheiro do estrume e da
solidão

ali estão
esquecidos pelo tempo
petrificados pelo desejo de pertença
ao que já não existe

são poucos mas
por lá estão
quase encostados uns aos outros
quase em fila estáticos
de olhos de peixe mortos
tentam fixar-me …

desvio o olhar
mas sei que ainda agora
lá estão assim:

à espera da morte – que tarda?


28.02.07
inédito

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