quarta-feira, 28 de março de 2018

DIÁRIO – 2016





Setembro, 4 - Cá estou eu de novo a tentar recomeçar o meu diário. Como Sísifo, como diria Clara Rocha, mas sem o pedragulho às costas, num incessante  vaivém.
     Bem sei que esta escrita intimista, descontínua e fragmentada, não merece o aplauso da grande crítica literária, mas paciência!, cada qual faz o que quer, o que sabe e o que pode.
     Sempre me agradou esta escrita intimista e fragmentária. De resto, de fragmentos tenho feito alguma poesia, má certamente, mas a minha poesia. Talvez porque de fragmentos é feita a própria vida, fragmentos que podem ser alinhados na linha do tempo, mas sem descontinuidade, ao invés desta prosa diarística, que venho cultivando, com muitas intermitências, desde os anos oitenta do século passado.
     Tenho, portanto, um diário para publicar, mas vai ter que esperar, que as prioridades são outras.
*
Setembro, 4 – Hoje, saí do convento e dei um salto a Pontével, muito perto do Cartaxo, para almoçar na Mó - um restaurante popular -, onde servem um excelente coelho no churrasco. Uma refeição frugal e barata, mas muito agradável.
     Mas recolhi cedo à cela, porque o Verão está a ser inclemente. As temperaturas são muito elevadas e só se aguentam com a ajuda do ar condicionado. Não deu, portanto, para dar trabalho aos olhos, nos vastos campos do Ribatejo, celebrado por Garrett nas Viagens.
     E só mais tarde me lembrei que é no Cartaxo que mora o Emanuel Salvado, um amigo, que deixei em Castelo Branco, no Outono de 1972 e que não voltei a ver, apesar de trocarmos mensagens numa rede social. Da próxima vez, vou prevenir-me do contacto telefónico e faço-lhe uma visita.

Setembro, 5 – Quando olhei o céu, por volta das sete, disse para os meus botões: outro dia de muito calor. E não me enganei, porque quando saí de casa, já o termómetro marcava 24 graus. Mesmo com 24 graus, ou talvez mais, ainda caminhei cerca de quarenta minutos junto ao Tejo, no Parque das Nações.

     Caminhar faz bem. Ajuda ao controlo da glicemia e do peso e contribui para desenferrujar as pernas. E sempre se vê o Tejo de perto, a Ponte Vasco da Gama e as gaivotas.
     Ali encontro quase sempre uma pessoa conhecida. Hoje foi a vez do Manuel Casalta, que assentou praça comigo nas finanças de Moscavide, nos idos de 1976. 22 de Julho. Creio que idos está correcto. Ou será kalendas? O Casalta foi depois notário e agora goza a reforma, tal como este humilde escriba. Já não nos víamos há anos, mas cumprimentámo-nos efusivamente, como se tivéssemos continuado a trabalhar juntos pela vida fora. E apalavramos um futuro café.

Setembro, 6 – Almoço no Baixinho, aqui em Santa Iria, com amigos. É um restaurante sem requintes burgueses, mas onde se restaura o corpo com qualidade e a preços módicos. Acresce a tudo isto a afabilidade dos donos e a companhia.
     É um restaurante da classe média baixa, tirando um caso ou outro de média alta, e de trabalhadores de empresas com sede nas proximidades. Há sempre peixe fresco, mais de aquacultura, mas peixe fresco quand même, saladas e legumes com fartura, as sobremesas triviais e vinho tinto e branco de Alcube (Península de Setúbal). É o tempo para a descontração, ou seja, para descanso da moleirinha.
     No fundo, vou pelos amigos e para afugentar a solidão.
     Vou continuar a ler os ENSAIOS DE DOMINGO III de Mário Sacramento, ou seja, um livro com mais de com cerca ou até mais de cinquenta anos. Leituras críticas de Mário Sacramento, um médico pneumotisiologista, que fez a vida cara ao contabilista de Santa Comba.

Setembro, 7 – E lá voltei ao Baixinho, a fim de almoçar com o Júlio Lino, António Belo e Garcia Pais. É um grupo diferente e mais requintado. Gente da área das contas, com quem me entendo bem. O Júlio Lino, que conheço desde 1971, veio para o Instituto Comercial de Lisboa, quando eu vim, no Outono de 1972. E continuámos amigos, durante estas décadas todas.
     Pois, quando vim para Lisboa, já com vinte meses de Paris, vim para o Instituto Comercial, com ganas de ser economista. Foi sol de pouca dura, porque, apesar de ser bom aluno `generalidade das disciplinas, tinha problemas com a matemática, ou com um tal engenheiro Favita e com a teoria dos conjuntos. E depois, acrescia àquele calcanhar-de-aquiles, possuir uma alma de poeta, nunca totalmente assumida, mas que tinha indiscutivelmente. E depois veio a tropa e Angola e Nambuangongo e o trabalho nas finanças e só mais tarde a Faculdade de Letras e o trabalho como professor, à noite, e as finanças, de dia e, às vezes, também à noite.
     Aos 64, sei que não sou velho, mas tenho mazelas suficientes, para ir tendo algumas cautelas. Pierre Assouline reclama-me. Vou tentar acabar o romance Sigmaringen, que tem por tema a inesgotável 2.º Grande Guerra. Espero ler, ainda hoje, as últimas páginas de uma excelente ensaio de Clara Rocha sobre prosa intimista. Só esta autora, melhor do que ninguém, poderia escrever MÁSCARAS DE NARCISO.

Setembro, 8 – Publicar um diário não é uma questão pacífica. Há até pense que se trata de uma traição à natureza primeira desta escrita. No fundo, o diário, este e outros, serviria apenas para o autor desabafar com o papel e este fosse, tout court, uma espécie de Freud sem ouvidos. Ou então, o diário seria como que o confessionário do seu autor.
     Bem sei que no diário não se escreve tudo. Por muito transparente que o autor queira ser, há matérias que nunca são vertidas para o papel. Nem Santo Agostinho, Doutor da Igreja e autor de CONFISSÔES, terá confessado tudo. Eu tenho para comigo que um diário é um espaço de diálogo do autor consigo mesmo, numa primeira fase, onde reflecte acerca da vida e do mundo, descontraidamente, sem quaisquer compromissos; e, numa segunda fase, com mais ou menos tempo de maturação, partilha com quem estiver interessado em lê-lo. Mas concordo com Marcello Duarte Mathias, quando diz que um diário nunca poderá ser rescrito. Corrigir as gralhas sim; alterar o que se escreveu num determinado dia, nunca!
     O que um diário não poderá ser é aquela coisa pueril – tudo menos isso -, que as raparigas começavam assim: “Meu querido diário…”. E provavelmente os rapazes também.
 PS - Hoje almocei no Café Central, a cem metros da minha casa, que é rápido e com ambiente mais ou menos familiar. Os comensais são quase sempre os mesmos e sei até o nome próprio de alguns deles, que cumprimento afavelmente. À noite a refeição é em casa, naturalmente, com a família.

Setembro, 9 - Cheguei à sexta-feira de rastos. A semana foi muito produtiva, mas também muito trabalhosa. Tarefas concluídas e com grande satisfação pessoal.
Ainda houve tempo para um café dom o Antero, no Pão Quente de Santa iria. E dois dedos de conversa, acerca de livros.
     Cheguei à momentos à “datcha” e vou dormir o sono dos justos.

Setembro, 11 – Onze de Setembro é dia de má memória. Em 1973, Augusto Pinochet, um valente general às ordens dos EUA, pôs fim a uma das experiências políticas e sociais mais interessantes da América latina. Pinochet e os seus bravos companheiros de junta militar despacharam um governo legítimo, assassinaram um Presidente eleito e muitos milhares de chilenos. Conseguiu morrer sem que a justiça tivesse funcionado como devia, a bem, seguramente, com a sua consciência.
     O outro onze de Setembro, o de 2001, foi mais um hediondo crime contra a humanidade. A destruição da Torres Gémeas, e a morte de milhares de inocentes, lançou o pânico na maior potência militar do planeta e deixou o mundo de boca aberta.
     Envidar esforços para cortar o mal pela raiz deveria ter sido o caminho; no entanto, há interesses que falam sempre mais alto e o mundo nada melhorou. E hoje continua a pagar-se caro a Guerra do Iraque e as bravatas de Hollande e outros, no norte de África e no médio oriente, com a Europa mais fragilizada e vítima desse hediondo terrorismo.

Setembro, 13 – Apesar da temperatura amena, este já parece um dia de Outono. Amanheci ao som da chuva. Vou até lá fora cheirar a terra molhada, que, como dizia José Gomes Ferreira, faz lembrar a criação do primeiro homem. Que bom!

Setembro, 14 – Hoje deixei o convento e o remanso da cela e fui até terras de Sobral de Monte Agraço e Arruda dos Vinhos. A paisagem é-me familiar, assim como os topónimos da região, onde trabalhei ao longo de muitos anos. Dir-se-ia, portanto, que nestas terras nada me causa estranheza.
     Na Arruda dos Vinhos, para fazer jus ao nome, a vinha foi renovada e muito aumentada. Voltaram os vinhos de boa qualidade, tintos nomeadamente, que acompanham o bacalhau e o polvo à lagareiro, dois pratos muito populares na pequena cidade.
     Há até quem diga que bacalhau é no Fuso e na Arruda, uma opinião que este vosso amigo corrobora. Hoje, no entanto, o bacalhau foi noutro restaurante, também excelente, e com a boa companhia do Borges, um amigo de há muitos anos.
     Em meados de Setembro, as vindimas ainda estão por fazer. Este ano, apesar do calor do Verão, as frutas e as culturas atrasaram-se. Porque o Inverno foi muito prolongado, diz-se. E a explicação parece-me plausível.
     Regressei ao fim da tarde e já com vontade de nova incursão pela região Oeste. Da próxima vez vou visitar a igreja de São Quintino, uma freguesia do concelho do Sobral.

Setembro, 16 – Li – há momentos - a crónica desta semana para “O Ribatejo” de Daniel Abrunheiro. E lá estava todinho, naquele estilo tão seu e tão peculiar, que nos faz rir e pensar. Até parece que o estou a ver à procura dos óculos, com os mesmos ao cimo da “tromba” e a ouvir, interessado, a magna questão do casório do filho da das couves com a filha da das fanecas.
     Esta é uma crónica do real quotidiano, tratado pela pluma de um artista da palavra. Hoje, apesar de tudo, em português suave.

Setembro, 17 – Vim até a minha “datcha”, onde, longe do bulício da cidade, me sinto bem. Para além da fresquidão da serra, há uma calma campestre que me põe os nervos em ordem e me retempera para mais uma semana de pequenos nadas.
     Eu já não sei quem, ainda há poucos dias, me dizia que são os pequenos nadas que fazem as nossas vidas; ou, mutatis mutandis, que as nossas vidas são feitas de pequenos nadas. Assim será.
     O equinócio aproxima-se. Dentro de dias estaremos no Outono, que é uma estação tristonha. Quando o Outono chega, sinto uma grande nostalgia dos dias grandes e quentes do Verão. O corpo pede-me recolhimento e o tempo mole dá-me alguma sonolência.
     Ou será que é este recolhimento, que me há-de trazer mais energia e mais vontade de fazer coisas novas, na Primavera e no Verão? Se calhar é da minha natureza acompanhar os ritmos da própria Natureza.
Setembro, 18 – E cá estou de novo no convento, de volta dos meus haveres pessoais, ou seja, nesta floresta de papel que é o meu “scriptorium”. É um imenso mundo de “eus” e “euzinhos”, alguns dos quais me proporcionaram momentos de muito gozo e até de felicidade.
     Eça e a sua Juliana Tavira; Stendhal e o seu Fabrice del Dongo; Camus e o seu Meursaut, Voltaire e  o seu Doutor Pangloss; Margrerite Youcenar e o seu Adrien; Laclos e a sua marquesa de Merteuil; Camilo e o seu doutor Botelho, o brocas, pai de Simão Botelho; Saramago e a sua Blimunda; Ferreira de Castro e o seu Marreta; etc.; etc.
     E com isto anda tudo ligado, já estou a pensar no que vou a ensinar nas disciplinas de francês e de literatura portuguesa, porque em matéria de francês é só língua e cultura francesa e, no diz respeito à literatura portuguesa, ainda não sei muito bem o que irei fazer. O ano passado fiz uma viagem com as “Viagens” de Garrett. Chegámos a Santarém, mas não regressámos a Lisboa. Ficámos no Vale a ouvir os rouxinóis.
     Se calhar, e dê-se de barato o meu atrevimento, vou começar e acabar com “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, que me vai permitir fazer uma comparação entre as odes de Saramago encaixadas no romance e as “Odes” de Ricardo Reis. E se houver tempo, até talvez possa falar de um certo Álvaro de Campos.
    A ver vamos, como diz o cego.

Setembro, 19 – António Salvado (n. 1936) lança hoje, às 18h30, na Câmara Municipal de Castelo Branco, o seu novo livro “Um Adeus solidário de ternura seguido de Com as mesmas palavras”. Será seguramente um acontecimento marcante, porque a cidade vê no poeta de “MATÉRIA DE INQUIETAÇÃO”, “utere felix”, “Largas Vias”, “AURAS DO EGEU”, “O OLHAR DO VER O VER DO OLHAR”, e de tantos outros títulos! – um dos seus filhos mais ilustres de todos os tempos.
     Na verdade, António Salvado soube, ao longo de mais de sessenta anos, construir uma obra ímpar como poeta e também como leitor de poetas e Professor, nomeadamente. É um daqueles artistas, no caso vertente da palavra, que deixa atrás de si um rasto de beleza, sabedoria e  generosidade. 
Poeta de Castelo Branco e do Mundo, António Salvado não para de nos surpreender, porque até nas horas mais difíceis da sua vida, nunca deixou de escrever, nem que fosse para “REPOR A LUZ”.


Setembro, 22 – Novo dia fora do convento. Para tratar de um par de lunetas e de outros assuntos inadiáveis. Por vezes é bom andar de metropolitano e a pé pelas ruas da cidade, ou melhor dizendo, da grande cidade, que eu nunca me furto a andar a pé aqui na minha vila de adopção.
     Pois bem, popó em Chelas, onde ainda não chegou essa coisa dos parquímetros, que dão alguma arrumação à cidade, mas levam imenso dinheiro aos cidadãos. Pago e não refilo muito, mas se puder evitar o incómodo de pagar, digamos assim, não pago. Por isso deixo o popó em Chelas, que também já não é o que era.
     Há dias, uma amiga queixava-se de que Lisboa estava transformada num estaleiro. Hoje, como fui a penantes (não com os penates, que esses foram transportados por Anquisses, pai de Eneias, de Tróia para as margens do Tibre) do Saldanha ao Campo Pequeno e verifiquei no terreno a verdade aqui relatada. A Avenida da República é um imenso estaleiro, mas já anda em obras há meses, porque as obras em Portugal, pequenas ou grandes, são sempre de difícil e demorada execução. Na Alameda dos Oceanos, no muito “in” Parque das Nações há obras há meses e sabe-se lá quando irão acabar. Obras em Portugal, obras de Santa Engrácia!
     E passei junto ao edifício onde funcionou o Externato Ergon, onde ensinei francês e português, durante muitos anos. Num primeiro andar com uma vista soberba, ali onde uma avenida, da República chamada, divide uma cidade em duas partes distintas. E senti saudades daqueles tempos e do laboratório de física e química, onde eu ensinava francês, e Nuno Ribeiro da Silva ensinara a dita física e química. Depois eu continuei na cepa torta e o talentoso e democrático engenheiro tornou-se num homem dos petróleos.
     Regresso a Moscavide, onde me esperava um amigo para umas humildes sardinhas assadas, porque o peixe mais rico é grelhado. E regressei a casa, onde me esperavam os meus gatos, Enzo e Pepe, tão leais como o cão de Ulisses, Argos de seu nome.

Setembro, 25 – Aos domingos, quando fico em casa, tenho o hábito de dar uma voltinha, mais ou menos redonda, pelas ruas do meu bairro e dos bairros vizinhos. E de máquina fotográfica no bolso, a fim de fotografar coisas com interesse.
     Coisas dá para tudo, como a palavra “res”, em latim, que ocupa duas ou três páginas nos bons dicionários. E as coisas hoje foram flores, o que é mais ou menos recorrente, nas minhas deambulações dominicais. Flores e mais flores, que o Outono também tem as suas flores e os seus frutos. E muitas folhais caídas, que inspiram poetas e que os cantores depois imortalizam. Quem não se recordará de “Les Feuilles Mortes”, uma belíssima “song” interpretada por Yves Montand?
     É bom fazer coisas triviais, para não parecer sisudo como os chamados intelectuais, que estão sempre a falar de coisas sérias. E ao contrário desses intelectuais, eu também tenho “um caso amoroso com a vida”, como escreveu o poeta Alberto de Lacerda.

Setembro, 28 – Há quarenta e dois anos, neste mesmo dia, foi ensaiado uma espécie de golpe de Estado, que tinha como chefe carismático um tal de Spínola, mas que contava com muitos cabos subalternos na sociedade castrense e na classe política de então. Spínola, que mais tarde havia de ser nomeado o “grão-mestre” das comendas por Mário Soares, era apenas o nome do chefe, porque todos os golpes e golpaças têm que ter um chefe.
Nesse mesmo dia, vim de Tomar a Lisboa - com o país já pacificado -, e sei que estive no cinema Londres, onde a vi um filme cujo nome se me varreu. Fiquei com a ideia de era “O Ovo da Serpente” de Ingmar Bergman, mas este não foi certamente, porque data de 1977. A noite estava cálida e húmida, na capital do reino. Tinha chovido.
Hoje, quando comecei a teclar nem era para rememorar o 28 de Setembro de 1974, porque só me dei conta da efeméride quando escrevi Setembro, 28, que agora omito a localidade onde escrevo, para não parecer que passo os dias encafuado no convento. O que é quase verdade, mas nem ao “diário” faço essa revelação; o diário, onde pratico esta escrita pindérica e privada, que deveria ficar longe dos olhos de quaisquer leitores, para não trair a natureza mais profunda da coisa.
     De regresso a Tomar, à tropa, pois claro!, onde se comiam boas uvas na messe, deparamos com um controlo popular em Alpiarça, talvez uma dúzia de indivíduos, alguns agasalhados com sobrepeliz, com caçadeiras prontas a defender a revolução e as promessas de Abril. É certo que nós trajávamos à civil e parámos, naturalmente, mas logo nos mandaram seguir, quando verificaram que éramos militares, muito jovens e de coração dado à revolução.
     A 5 de Outubro, parti para Angola, de onde havia de regressar, fisicamente, um ano depois.

Setembro, 29 – Ontem, felizmente mais uma vez, fui à Mata para o almoço mensal, digamos assim, com a senhora minha mãe. É que na verdade mãe há só uma e há que aproveitar enquanto, eu e ela, por cá formos andando. E regressei ainda ontem, porque tenho sempre tarefas inadiáveis para o dia seguinte.
     Saí em Castelo Branco sul, com o propósito, aliás conseguido, de tomar um café com a minha amiga Patrícia. E para surpresa minha, fui presenteado com um Salvado de Janeiro de 2016, “AS LINHAS QUE PERDURAM”, que, por sinal, ainda não tinha, mas do qual já conhecia muitos textos. Há dias assim e era bom que se multiplicassem os dias felizes, porque, verdadeiramente, é de dias felizes que todos precisamos.
     Esta manhã foi uma correria louca. O trânsito automóvel lisboeta estava complicado, ou seja, à beira de pôr um homem à beira de um ataque de nervos. Né Almodôvar? Mas consegui tratar de todas as questões inadiáveis desta manhã, para que possa resolver outra “cet après-midi”.

Outubro, 27 – Até muito tarde, a Mata foi um “cu-de-judas”, ou seja, uma aldeia sem qualquer saída. De resto, já me lembro da construção daquela estrada estreitinha, que só foi alargada décadas mais tarde. E antes dessa estrada estreitinha, que deixou a Mata a três quilómetros da EN-240, saia-se para Castelo Branco e para o mundo, ou vinha-se de Castelo Branco e do mundo, através de caminhos de terra batida. Carros e camionetas, na Mata, eram sempre um acontecimento raro e festejado com prolongados bruaás.
     O meio de transporte mais barato e apesar de tudo mais cómodo era a carroça, puxada a macho, sob chuva, no Inverno, e ao calor, nos meses de Verão. E os pedreiros tinham a sua bicicleta, a fim de poderem trabalhar em Castelo Branco e nas localidades vizinhas. As ruas do Entrego só viram paralelos já depois, ou pouco antes, do 25 de Abril e era habitual, durante o Inverno, as camionetas atolarem nas nossas ruas. O saneamento básico também chegou depois da revolução dos cravos.
     A Mata teve, durante séculos, uma vida dificílima!
     Hoje tudo é diferente. Há uma estradinha para a Lousa, onde não se podem cruzar dois carros sem ambos terem de fazer muita ginástica e uma estrada para Idanha-a-Nova. A Mata hoje está menos isolada, é certo, mas continua a ser uma aldeia pouco atractiva. Tem dezenas e dezenas de casas desabitadas e em ruína. E o actual estado das coisas já deixa prever o futuro. Um futuro pouco risonho, infelizmente.




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