quarta-feira, 2 de maio de 2018

QUEM ERA AQUELE HOMEM



Filipa Barata (1981-2014)

Descia a rua com passos incertos àquela hora da tarde de um Outono pálido e inodoro. Pensava nas coisas que aconteciam à sua volta e de como isso não a incomodava minimamente. Seria egoísmo? Perguntava-se. 

A noite passada deitara-se tarde. Tinha fumado bastante e sentia agora as consequências disso. Sentia-se ligeiramente ensonada. Apanhar o autocarro ou um táxi? Quem era aquele homem solitário posto à beira de um passeio? Em que pensava? Andar pela rua tornara-se de facto, em certos dias, insuportável. Assistir à miséria de quem pede, acenando com coisas que por vezes nem chegamos a saber ao certo o que são com medo de vermos. Com medo de ficarmos com os olhos demasiado abertos. Não esses que temos na cara, mas os que guardamos dentro de nós.

 Uma profusão de olhos dentro da barriga que nem sempre nos impedem de fazer coisas erradas.

Como se arquitectam frases? Como projectar sentidos? Linhas de mãos e pés, dedos sobre as coisas do corpo que não oferece resistência 

Empresto a boca ao som que quer sair

in "Palavras sem cicatrizes-Poemas de e para Filipa Barata"

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