segunda-feira, 25 de novembro de 2013


DOMINGOS BROA

 


      Domingos Broa foi meu condiscípulo na escola primária da Mata. Embora os seus pais tivessem uma casa junto à igreja matriz, viviam numa das grandes propriedades da freguesia, onde até as grandes propriedades eram pequenas, e o Domingos fazia a pé, logo pela manhã, alguns quilómetros. Dura vida a deste rapaz, que nunca mais voltei a ver.

     Se lhe quisesse descrever as feições já não seria capaz, porque, no entretanto, passaram-se mais de cinquenta anos. Sei que andava sempre descalço, tendo, por isso mesmo, os pés muito negros e gretados. Surgia na escola sempre a correr, como que a querer imitar o barulho das motorizadas: brrrrrr, brrrrrr, brrrrrr.

     Naquele tempo a televisão passava a série “O Zorro”, um filme de cowboys, que a miudagem gostava de ver. Tinha três personagens principais essa série: o Zorro, que usava uma máscara, o seu fogoso cavalo, cujo nome já esqueci, e um ajudante que era o “Índio”. Desse tempo eram igualmente famosos o “Bonanza” e a “Lassie”. E como não podia deixar de ser, nós tentávamos transpor para a vida real as cenas dos filmes de cowboys da televisão.

     A escola começava às nove horas, mas nós chegávamos a partir das sete e meia, para acabar os trabalhos de casa e para jogar aos cowboys, formando para o efeito binómios, em que um de nós fazia de cavalo e outro de Zorro ou de outra personagem de uma das séries em voga. Com um cordel faziam-se as rédeas, que passavam junto ao pescoço e sob os braços do cavalo e depois era correr. O Cavaleiro segurava as rédeas e empunhava um pau que era a pistola e o cavalo galopava. O cavaleiro dava tiros aos adversários, ouvindo-se então os famosos “pum, pum, pum!”, e a seguir os gritos:” já te matei, já morreste”. O Domingos fazia sempre de cavalo e era certamente o mais fogoso de todos os cavalos.

     A Dona Ester, a professora primária da época, ainda quis tratar dos pés do Domingos Broa. Queria untar-lhos com azeite para que pudesse ser mais fácil remover as crostas. Nunca o terá conseguido. Eu saí antes e nunca mais voltei a ver o Domingos, que, está radicado em França há dezenas de anos. Era filho de Manuel Mateus, Patanisco de alcunha. Domingos Mateus era o verdadeiro nome de Domingos Broa, o cavalo mais fogoso das nossas brincadeiras de infância. Onde quer que esteja, que esteja feliz.

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