O
ESQUIM GRAVE
O Esquim Grave, que ainda se encontra
entre nós e de boa saúde, pertence à geração de naturais da Mata anterior à
minha. Deve andar pelos setenta, mais um, menos um. E por isso mesmo, nunca
jogámos à bola juntos, mas vi-o jogar muita vez. Chamavam-lhe o Torres, porque
fugia um pouco àquela mediania rasteirinha dos homens da aldeia. Porém, as
semelhanças com o chamado Bom Gigante prendiam-se apenas com a pretensa
similitude de ambos em matéria de altura. Era como chamar Puskas ao João
Passarinha.
O Esquim Grave era de facto corpulento e
interessava-se muito pelo fenómeno desportivo. E a necessidade, por míngua de
jogadores, fez dele um jogador imprescindível. Jogava-se então à frente da
capela de S. Pedro, sem balizas, sem quaisquer marcações, num pedaço de terreno
irregular, com algumas oliveiras no meio. Seu irmão, o Tonho Grave, era
guarda-redes, mas só de nome, porque nunca teve redes para guardar.
O Esquim Grave, por quem tenho muita
estima, sempre teve uma voz forte. Ainda hoje, quando este homem fala, ouve-se.
Até a dar a salvação. Naqueles tempos de juventude, quando decorria a partida,
que podia durar uma tarde inteira, a voz do Esquim Grave ouvia-se bem, porque
era forte e tinha um timbre muito próprio: passa a bola, aí vai, segura, toma,
boa, etc., eram palavras que todos podiam dizer, mas não daquela forma tão
peculiar como ele as pronunciava.
E o tempo foi passando e um dia arrumou
definitivamente as botas, quer dizer as sapatilhas ou as botas normais dos dias
normais, porque não havia equipamentos. Jogava-se com o que se tinha e as
coisas eram divertidas, porque na mesma equipa podia haver jogadores com
camisolas ou camisas das mais diversas cores. Os dois capitães escolhiam, à
vez, do lote de futebolistas disponíveis, Onze para cada lado nunca, que o
campo era pequeno e os jogadores poucos. Era um espectáculo! Sempre com muita
discussão e muitos golos e, regra geral, sem árbitro!
O Esquim Grave já era artista na
construção civil. E na construção civil trabalhou muitos anos em Portugal e em
França. Mais tarde tornou-se trabalhador agrícola por conta própria e alheia,
usando, para o efeito, um tractor que, não há muitos anos, lhe ia sendo fatal.
Também se dedicou à pastorícia. E nestas actividades, creio que ainda não
arrumou as botas. Um verdadeiro homem
dos sete ofícios, mas do que eu queria mesmo falar era do Torres, que, apesar
da falta de jeito, era um jogador imprescindível na equipa da Mata.
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