O SENHOR PROFESSOR
Era
um homem forte e de altura mediana, tendo em conta os padrões da época. Foi
militar e fez comissão em Moçambique, muito antes do início da Guerra Colonial,
com o posto de tenente. Era um bravo, facto que lhe valeu o cognome de “Afonso
Henriques”.
Era um homem exacerbadamente patriota –
esta justiça faço-lha sem quaisquer problemas -, que ensinou várias gerações de
habitantes da Mata, aproveitando bem as circunstâncias de ser um homem
instruído e de acordo com a Constituição 33.
Não era dado a grandes pedagogias. Os
alunos acabavam por adquirir conhecimentos repetindo as matérias ministradas
vezes sem conta. E também através do uso de uma régua de madeira, que era uma
ferramenta para a instrução e para a educação. Ainda me lembro da repetição dos
verbos, à hora do almoço, em que cada aluno era um tempo e um modo.
O senhor professor era também uma
vigilante de boas práticas. Os alunos tinham que ir à missa e à catequese e não
se podiam deitar tarde. E tinham ainda que ajudar na colheita da azeitona, na
vindima e na apanha dos produtos da terra, no seu “Chão”, onde havia oliveiras,
sobreiros e muitas árvores de fruto. Até maçãs reinetas!
O senhor professor era um homem de humor
muito variável, porque a senhora professora, sua senhora, era muito doente dos
nervos; e, é bom de ver que uma mulher nervosa torna um homem instável. E ao
contrário, creio, também é verdade. Almoçavam na escola, onde a criada trazia o
almoço, e ali ficavam até ao fim das aulas. A limpeza da escola ficava a cargo
dos alunos, porque não havia dinheiro para mais.
Ainda me lembro do senhor professor a
palitar os dentes com um aparo daquelas canetas de madeira de molhar no
tinteiro. Se calhar ficava melhor dizer aparar os dentes, já que usava um aparo
metálico. Mas fica assim e penso que se percebe.
Eu também ia para o “Chão” do senhor
professor e até para a “Lajinha” e para o “Barreiro Vermelho”. Era uma forma de
complementarmos a nossa parte prática da aprendizagem para a vida. Era giro,
muito giro, que durante o caminho o senhor professor perguntava: “Como se
chamava a mãe de D. Afonso Henriques” e nós respondíamos em uníssono: ”D.
Teresa”. E as perguntas sucediam-se até ao local dos trabalhos agrícolas.
Acabámos incompatibilizados, porque o
senhor professor, em 1969 me viu na execução de trabalhos da CDE (Comissão Democrática
Eleitoral), no armazém do meu amigo Carlos Vale, na Rua J. A. Morão, em Castelo
Branco. Tinha dezassete anos, a seguir emigrei e nunca mais voltámos a falar. E
ainda bem!
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