A
RUA DE SANTO ANTÓNIO
Era nas águas-furtadas a nossa casa. Era velha
e com poucas condições, mas tinha uma claraboia, por onde, quando havia,
entrava a luz do sol. Era no número vinte e um da rua de Santo António, quase
no coração da cidade. No rés-do-chão, era a mercearia do senhor António
Canaveira.
Em frente, havia uma agência de viagens, onde
trabalhava uma rapariga vistosa, com quem, na solidão dos meus pensamentos, fiz
as primeiras grandes viagens. Era uma rapariga alegre, que vestia roupas
alegres e tinha um sorriso alegre e branco e amplo e um corpo ágil de gazela.
Um dia a agência fechou as portas e a rapariga mudou de ares, qual ave de
arribação. Se me tivesse pedido, apesar da idade, creio bem que tinha partido
com ela. Ah, como batia forte e apressado, naqueles dias, o meu pobre coração!
E
o tempo, esse inigualável fazedor, fluía placidamente. Placidamente, que é
assim que deverá fluir o tempo. E tudo era normal e rotineiro, até a passagem
diário do batalhão, o seis de caçadores, que passava na rua de Santo António ao
som do tã…tão…tã-ta-ra-rã dos tambores e do op, dois, erdo, direito dos cabos
milicianos.
A
nossa casa era nas águas-furtadas do número vinte e um da rua de Santo António
e era a foz de um rio de gente que ali vinha pedir um pequeno favor, como
visitar, no hospital, um doente ou comer um simples prato de sopa.
Aquelas
águas-furtadas eram a casa da gente.
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