TI
MANEL BEATO
O homem que hoje aqui recordo terá sido
dos mais talentosos que a Mata pariu. E não tem parido, sabeis bem, grandes
obras de arte. Pois Ti Manuel Beato fez questão de ser diferente e consegui
sê-lo até muito tarde. Tivesse nascido num bom berço e a república inteira
havia de se orgulhar deste nosso conterrâneo.
Tendo idade para ser meu avô, conheci-o
desde a mais tenra idade. Desde sempre, para ser mais rigoroso. Muito falador –
mas nunca falajador -, ainda hoje lhe reconheceria o timbre da voz. Tinha
estatura mediana e cabelo branco. Os óculos, num certo sentido, conferiam-lhe
um ar distinto, num tempo em que ninguém tinha doenças dos olhos.
Fez um pouco de tudo na vida: negociante
de volfrâmio, taberneiro, lojista, enfermeiro, agricultor, barbeiro e até
odontologista. Agricultor havia de acabar, ou seja, em estreita comunhão com a
grande mãe. Perseverante, Ti Manel Beato montou a sua bicicleta até cerca dos
noventa e subia a Monheca indiferente aos anos. Foi o exemplo mais acabado de
que um homem é aquilo que a sua cabeça lhe permite ser.
Era um homem teimoso e não admitia que lhe
fizessem o ninho atrás da orelha. E apesar da sua estatura mediana – hoje os
padrões estão muito alterados, diz-se que à conta da farinha cerelac e de
outros comestíveis modernos -, Ti Manel Beato não se furtava a uma discussão e
de enfrentar fisicamente quem, prepotentemente, lhe quisesse dificultar a vida.
Foi o caso de um administrador da Fábrica do Tomate do Ladoeiro, que lhe quis
recusar a entrada de tomate da sua produção, por um qualquer fútil motivo, mas
que acabou por aceitar a entrega perante a fúria de Ti Manel Beato. Já com
setenta bem contados.
O que Ti Manel Beato não conseguiu foi, na
sua função de odontologista, extrair um dente a minha mãe. Sete vezes tentou e
sete vezes falhou a extracção. Era a ferro frio - nada de anestesias – e
conhecendo como conheço minha mãe, sei que a culpa não foi toda do pretenso
dentista. Sete vezes tentou e sete vezes falhou.
A sério e a mangar conversámos muito.
Houve, desde sempre uma grande empatia entre nós, apesar dos cinquenta anos que
nos separavam na grande tábua do tempo.
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