TI JOÃO PARRANÇO
Ti João Parranço, tio de meu pai por
afinidade, nascera na Bemposta, concelho de Penamacor, mas veio casar à Mata
com uma filha de Francisco Lucas, meu bisavô. Pedreiro, era considerado artista
na sua profissão. Sim, que ser pedreiro, ferrador, carpinteiro, padeiro,
rebocador, canteiro, capador, e não me levem a mal um ocioso etc., era ter uma
arte, era ser artista.
Ti João Parranço, João Martins Félix era o
seu nome civil e de baptismo, foi até à velhice um verdadeiro andarilho. Vinha
e ia como lhe dava na real gana e trabalhava quando lhe apetecia. Pagou com o
corpo a ousadia de ser avesso aos sedentarismos e àquele conjunto de regras
comummente aceites. Passou muitas temporadas no sanatório das Penhas da Saúde,
onde, quando piorava, tratava a tuberculose. Longe da família e a família longe
dele, que o tratamento era recíproco.
Recordo-me de Ti João Parranço, que me
tratava por sobrinho, me oferecer rebuçados, mas sem nunca pegar com as suas
mãos no que me oferecia. Dizia para o lojista, Joaquim Amaro: “Dê cinco tostões
de rebuçados ao meu sobrinho”. E eu aceitava, contente, os rebuçados que o Ti
João me oferecia.
Bebia muito vinho e fumava desalmadamente;
ou, pelo menos bebeu e fumou até muito tarde. Tinha uma voz pausada e rouca,
que raramente dava mostras de exaltação. "O tempo é o melhor mestre dos
homens, mas os homens não ouvem o mestre”, sentenciava. Mas tinha outros ditos
– outros aforismos, se preferirem -, igualmente judiciosos, que a rapaziada
nova ouvia mas não levava a sério.
Ti João Parranço ajudou meu pai na
construção da nossa primeira casa. E ambos construíram a casa de uma das minhas
tias. Certo dia, Sentados em pedras, à sombra de uma oliveira cordovil que
havia na tapada do professor, ali almoçámos todos, os dois casais e este
escriba, que teria então quatro ou cinco anos. Ti Rita pegou num respigo de uva
e deu-me. Minha mãe, atenta, perguntou: “Como se diz, Manel?” e o Ti João,
rapidamente e antes de eu agradecer: “Que te dê mais!”.
Às vezes, ainda o oiço: “Ó sobrinho, o
tempo é o mestre dos homens, mas os homens não ouvem o mestre”. Como era sábia
e sábia e pertinente continua a máxima que retive de Ti João!
Sem comentários:
Enviar um comentário