TI
TONHO PRATA
Conheci ti Tonho Prata desde a mais tenra meninice.
Ainda que situada na rua Nova da Escola, a nossa casa ficava a cento e
cinquenta metros, mais metro menos metro, do largo e da tasca mais populares da
Mata. E era lá que ia comprar o vinho para Ti João Bernardo e também para o meu
pai. E amendoins e castanhas e rebuçados, quando me apanhava com alguns tostões
no bolso.
Era um homem alto – para os padrões da
época – e com uma próspera barriguinha. Proprietário com boas fazendas, tinha
motorizada e outros meios, que o faziam sobressair de entre os pobres da
aldeia. Passava o tempo a aviar os poucos clientes das horas normais do dia e
chegava a fechar a porta para tratar dos seus terrenos e das suas árvores. À noite
sim, a coisa animava, entre as sete e as dez, quando os homens iam beber o seu
meio quartilho ou o seu meio quartilho e depois uns bagacinhos, que davam força
e aqueciam o corpo e a alma.
António Balhau era o seu nome e era casado
com a ti Maria Antonha, que era mais conhecida por Ti Maria Antonha do Prata,
que também servia no estabelecimento que era do casal. Nunca tiveram filhos,
mas tinham uma legião de sobrinhos, que não desdenhavam nada de ser herdeiros.
Ti Maria Antonha era muito doente. Pobre mulher. Porém, o saudável Ti Tonho
Prata acabou por entregar primeiro o corpinho à terra e a alma ao Criador.
O nosso homem não era muito bom de assoar
como se diz na Mata, mas tinha o espaço mais amplo, que foi fazendo evoluir com
o tempo. Tinha uma daquelas telefonias grandes, a pilhas, que trazia para o
poial, depois da tasca fechada, permitindo à vizinhança ouvir as notícias e
aquela música tão ao gosto popular que se fazia nos anos cinquenta. Recordo-me
perfeitamente de vir do café de Ti Manel Japona, que já tinha televisão, e
ouvir na telefonia do Ti Tonho Prata este anúncio: “Os médicos de todo o mundo
recomendam a Binaca / eles lá sabem porquê!”; ou este momento de propaganda: “A
verdade é só uma, /rádio Moscovo não fala a verdade”. E foi através da telefonia
de Ti Tonho Prata que dei me conta das eleições presidenciais de 1958, que
haviam de se realizar no dia antes de eu completar seis anos de idade.
Tratou-me sempre bem, creio; porém, não
era a norma. Corria com a miudagem com um pano de água encharcado, porque entre
os putos também havia belas prendas. Mas deixou marcas e até deu o nome ao
largo, que, curiosamente, não tem nenhum nome.
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