MANUEL JOÃO VIEIRA
O Dr.
Manuel João Vieira, velho democrata albicastrense, foi professor na antiga Escola
Industrial e Comercial de Castelo Branco, a actual Amato Lusitano, onde
leccionou as disciplinas de “noções de comércio” e de “direito comercial”. E
até talvez de “economia política”. Nunca foi meu professor, porque Manuel João
Vieira só leccionava à noite e eu era aluno do ensino diurno. Mas foi professor
de amigos meus, que diziam maravilhas do então ainda quase jovem causídico.
Tive o
ensejo, no entanto, de executar tarefas eleitorais, no seu escritório da Rua D.
Dinis, em Castelo Branco. Foi no já longínquo ano de 1969, na chamada primavera
marcelista, mas em que permaneciam activos e vigilantes todos os organismos
repressivos do Estado Novo. Naquele 1º andar era um corrupio de gente, gente
com mais responsabilidades, gente com menos responsabilidades; porém, gente
que, generosamente, lutava pela liberdade e pelo fim do regime fascista. Para
mim foram dias empolgantes.
No
escritório do Dr. Manuel João Vieira cruzei-me com o Rocha, que mais tarde
havia de ser funcionário do tribunal, com o Elias Martins que cumpria serviço
militar no BC-6, com o Raul Paulo de quem continuei amigo durante muitos anos e
com outros jovens. Para além de termos copiado os cadernos eleitorais, os
jovens apoiantes da CDE – eram candidatos por Castelo Branco Alçada Baptista,
Domingos Megre, José Rabaça e Manuel João Vieira – ajudavam ainda em tarefas
hoje impensáveis como meter o boletim de voto num envelope e endereça-lo ao
eleitor a quem o regime concedia o
direito de votar.
Recordo-me
do comício do Cine-Teatro Avenida, completamente cheio e com apoiantes no
exterior do edifício. Não me recordo dos discursos, mas sei que Alçada, que
mais tarde se tornou um amigo de Marcelo, empolgou a pequena multidão. O mesmo
terá acontecido com os restantes candidatos que, com a excepção de Manuel João
Vieira, deixei de acompanhar.
Nos
primeiros dias de 70 juntei-me aos meus pais nos arredores de Paris, onde
permaneci vinte meses. Regressei e ainda cumpri serviço militar obrigatório.
Reencontrei o Dr. João Vieira já depois do 25 de Abril, no remanso do seu
escritório. Fui para uma consulta, cuja matéria eu já tinha estudado, mas
queria ter uma opinião de homem de leis. Apresentei-lhe o caso e disse-me o que
entendia. Falámos de outras coisas e rememorámos aquele de outono de 1969. Não
me levou dinheiro pela consulta e creio não o ter voltado a ver. Mas nunca
esqueci, no entanto, aquele seu trejeito de abanar o pescoço.
Ao escrever
este texto, até parece que estou a ver Manuel João Vieira a atravessar o
passeio vermelho a caminho do Vidal.
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