quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

DOLORES – I


Inda rosa em botão,
Ferida no coração,
Dolores corria,
Dolores voava.


Inda flor a desabrochar,
Com o coração a sangrar,
Dolores corria,
Dolores voava.


Ferida no coração,
Cantava em seu balcão,
Dolores corria,
Dolores voava.


Com o coração a sangrar,
Pungente no seu cantar,
Dolores corria,
Dolores voava.


Cantava em seu balcão
Fascistas no pasaran.
Dolores corría,
Dolores voava.


 DOLORES -II


“No pasaran!”,
Dizia ela
Indomável
Na ânsia de vencer.


“No pasaran!”.
Dizia ela
Com a bravura
Da torrente do rio
No auge da tempestade.

“No pasaran!”,
Dizia ela...



 DOLORES -III

Quem guardará memória
Do seu discurso de fogo?

Quem guardará memória
Da sua vontade inquebrantável?

Quem guardará memória
Da sua grandeza intangível?

Quem?




terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O PECADO DA GULA

   



“O pecado da gula anda associado aos excessos de comida e de bebida. E é, indiscutivelmente, um dos pecados mais recorrentes nos países católicos, apostólicos e romanos e protestantes da Europa Ocidental. Poder-se-á dizer, para evitar discriminações obvias, que é o pecado mais recorrente de toda a Civilização Ocidental.
     Quando os portugueses reflectem acerca da vida e dos seus valores mais altos, dizem normalmente que não há nada melhor do que comer, beber e... passear. E se atentarmos na prática dos povos da União Europeia, verificamos, com muita facilidade, que todos incorrem no mesmo tipo de delito, à luz da doutrina da Igreja: os protestantes do Norte bebendo álcool em excesso, os católicos do Sul, comendo e bebendo excessivamente.
     No caso concreto do português comum, ainda que não conheça casos como os descritos por Rabelais no  Pantagruel ou por Garcia Marquez nos Cem Anos de Solidão, poder-se-á  dizer que se trata de um bom garfo e de um bom copo e a sua imaginação não tem limites: come bifes de atum, de espadarte, de porco, de peru e até de frango. Mas o verdadeiro português - o mais arreigado às tradições nacionais - adora sopinha de feijão e juliana, favas cozinhadas de todas as formas e feitios, feijoada à transmontana, grão com bacalhau e bacalhau cozinhado de trezentas e sessenta e cinco formas diferentes, nos anos comuns, rancho à transmontana, grão à campaniço, carne de porco à alentejana e... até cabra de chanfana, etc., porque a lista, podia ser mais exaustiva.
    No domínio das sobremesas refiro o vulgar arroz-doce, o pudim, a musse de chocolate, o leitinho-creme, o molotove, a tarte de maçã, a tarte de amêndoa, a torta de laranja, a torta de cenoura, as farófias, as tigeladas, a baba de camelo, as barrigas-de-freira e os suspiros.
     No domínio das bebidas, é como o Jacinto: ou branco ou tinto. De preferência muito e português. E para rematar um opíparo repasto - nada de uísques ou conhaques- uma bagaceira genuína, produzida por um parente, na província.
     Lidos ou ouvidos os últimos parágrafos, qual de vós, caros leitores ou ouvintes, não cometeu já o pecado da gula, pelo menos em pensamento? Qual de vós terá esquecido o resto da sobremesa que o colesterol e a diabetes desaconselha, do bagacinho que o Código da Estrada pune, do pastelinho que a linha reprime?
     Não falarei, por uma questão de decoro, das múltiplas acepções do verbo comer. Romanizados muito cedo, permanecemos irredutíveis seguidores desse grande povo que adorava o convívio e a mesa. Peço-vos encarecidamente que transmitais aos vossos filhos o gosto imoderado pela comida, para que jamais sejamos assimilados por hábitos alimentares estranhos à nossa tradição cultural. Confesso que sofreria imenso se visse os portugueses rendidos à cultura do hamburger  e da  Coca-Cola . O exemplo americano é paradigmático: grandes e desconformes físicos, passe a pequena redundância, mas um chocante desconhecimento no tocante ( conheço uma gaja dos impostos, que substitui tocante por tange, na prosa das circulares. Acode-lhe, Orfeu!) aos prazeres da mesa. Preservemos, pois, caríssimos concidadãos, o queijo da serra genuíno, as fêveras e a entremeada dos nossos porcos de montado; os rojões à moda do Minho e a carne de porco à alentejana; o vinho das nossas adegas particulares, porque esta é a forma mais autêntica de afirmarmos a nossa identidade nacional .  


MANUEL JOÃO VIEIRA


     O Dr. Manuel João Vieira, velho democrata albicastrense, foi professor na antiga Escola Industrial e Comercial de Castelo Branco, a actual Amato Lusitano, onde leccionou as disciplinas de “noções de comércio” e de “direito comercial”. E até talvez de “economia política”. Nunca foi meu professor, porque Manuel João Vieira só leccionava à noite e eu era aluno do ensino diurno. Mas foi professor de amigos meus, que diziam maravilhas do então ainda quase jovem causídico.
     Tive o ensejo, no entanto, de executar tarefas eleitorais, no seu escritório da Rua D. Dinis, em Castelo Branco. Foi no já longínquo ano de 1969, na chamada primavera marcelista, mas em que permaneciam activos e vigilantes todos os organismos repressivos do Estado Novo. Naquele 1º andar era um corrupio de gente, gente com mais responsabilidades, gente com menos responsabilidades; porém, gente que, generosamente, lutava pela liberdade e pelo fim do regime fascista. Para mim foram dias empolgantes.

     No escritório do Dr. Manuel João Vieira cruzei-me com o Rocha, que mais tarde havia de ser funcionário do tribunal, com o Elias Martins que cumpria serviço militar no BC-6, com o Raul Paulo de quem continuei amigo durante muitos anos e com outros jovens. Para além de termos copiado os cadernos eleitorais, os jovens apoiantes da CDE – eram candidatos por Castelo Branco Alçada Baptista, Domingos Megre, José Rabaça e Manuel João Vieira – ajudavam ainda em tarefas hoje impensáveis como meter o boletim de voto num envelope e endereça-lo ao eleitor a  quem o regime concedia o direito de votar.



     Recordo-me do comício do Cine-Teatro Avenida, completamente cheio e com apoiantes no exterior do edifício. Não me recordo dos discursos, mas sei que Alçada, que mais tarde se tornou um amigo de Marcelo, empolgou a pequena multidão. O mesmo terá acontecido com os restantes candidatos que, com a excepção de Manuel João Vieira, deixei de acompanhar.
     Nos primeiros dias de 70 juntei-me aos meus pais nos arredores de Paris, onde permaneci vinte meses. Regressei e ainda cumpri serviço militar obrigatório. Reencontrei o Dr. João Vieira já depois do 25 de Abril, no remanso do seu escritório. Fui para uma consulta, cuja matéria eu já tinha estudado, mas queria ter uma opinião de homem de leis. Apresentei-lhe o caso e disse-me o que entendia. Falámos de outras coisas e rememorámos aquele de outono de 1969. Não me levou dinheiro pela consulta e creio não o ter voltado a ver. Mas nunca esqueci, no entanto, aquele seu trejeito de abanar o pescoço.
     Ao escrever este texto, até parece que estou a ver Manuel João Vieira a atravessar o passeio vermelho a caminho do Vidal.
    


sábado, 25 de janeiro de 2014

JOÃO LEITÃO


     Conhecemo-nos desde sempre. E como a família Leitão tinha quase o monopólio das barbearias da Mata, é quase certo que o João Leitão me terá cortado o cabelo algumas vezes. Talvez ainda antes de se tornar sapateiro e acordeonista, que o João, apesar daquele seu ar simples e bondoso, tinha queda para fazer coisas como cortar cabelo, tocar acordeão e manufacturar calçado. Mas quem me cortou o cabelo a primeira vez, na barbearia, como os homens, foi outro Leitão, de nome José, pai de outro João Leitão. Duas barbearias, uma de cada lado da rua de Santa Margarida, que naquele tempo ainda não era de Santa Margarida, mas que tinham clientelas muito fidelizadas como se diz agora.
     O João Leitão era filho único, tal como este escriba das coisas da Mata; era, portanto, o ai – Jesus de Ti Ressurreição e de Ti Domingos Leitão, que tudo faziam para proporcionar uma vida melhor ao filho. Do João contam-se histórias hilariantes, maldosas certamente, como aquela de ter feito um par de sandálias para a mãe, ainda aprendiz de Ti Francisco Mendes, com o pequeno senão de ter feito as duas para o mesmo pé. Mentira pegada, seguramente, mas que servia para diminuir um jovem que se tornou um excelente homem.
     Quando decidiu aprender a tocar concertina, treinava horas a fio na casa onde funcionava a barbearia. É evidente que foi, antes de mais um autodidacta, ainda que recentemente me tenham dito que andou a aprender com o Alziro Galante, da Orca, que era um dos mais distintos acordeonistas de toda a Beira Baixa. Desse tempo de treino intenso conta-se que tinha uma melodia que ia com a seguinte letra: “ Eu vou, vou, vou…”, ao que Ti ressurreição perguntava: “onde vais, João?”, respondendo o filho, cantarolando: “ Vou ali ao quintal e venho já”. Histórias!

     Ainda hoje conserva aquela bonomia de juventude. Às vezes, parece um homem de outros tempos, ou seja, alguém que não acompanhou as mudanças. E viveu em França muitos anos, onde lhe nasceram os filhos. Vive sozinho na Mata, onde foi um excelente exemplo de amor filial. E está sempre pronto para ser útil a quem dele precisa. Creio que foi o João que fez a barba e cortou o cabelo a meu pai, ainda em nossa casa, antes de ter ido com as aves. Está a fazer cinco anos. E este retrato é uma forma singela de lhe agradecer a generosidade.   

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

É TÃO SUBTIL ESTA DOR



É tão subtil esta dor
-Ai, só eu sei quanto dói!-
Da separação, amor,
Que noite e dia me mói!

Roídos pela saudade
Correm dolentes os dias.
Nesta soturna cidade,
São poucas as alegrias.

Dói-me tanto a tua ausência;
Só eu sei como me dói!
Chego a temer a demência,

Tanto a saudade me rói.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

SENHORA DO ALMORTÃO




Senhora do Almortão,
Vosso manto cor-de-rosa
Foi todo bordado à mão
É uma jóia preciosa.

Com esse manto vestido
Vossa formosura é tanta,
Que o bom povo, divertido,
Ora sorri, ora canta!



SENHORA DO ALMORTÃO





Senhora do Almortão,
Ó minha rosa encarnada,
Tratai bem o São Romão,
Nunca lhe faltai com nada!

Vejo-vos sempre solteira,
Tão bonita, tão vistosa.
Não há santinha na Beira,

Como vós tão virtuosa.

MBarata

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

NOSSA PROTECTORA



A Senhora tem vestidos
A oiro e prata bordados,
Que lhe foram of’recidos
Ou por milagres trocados.


Na cabeça usa coroa
De perfeição sem igual.
Foi mandada de Lisboa
P´la rainha de Portugal.


Ali perto da fronteira,
A nossa linda Senhora,
Que não tem queda guerreira
Quis ser nossa protectora.



Ó virgem do Almortão,
Dai-nos voz para cantar!
Dai-nos também devoção
Para o ano cá voltar.

In FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005


domingo, 19 de janeiro de 2014

TORGA



I

Tinha
A necessidade
De nos dizer
Como via
O mundo.

E escrevia,
Escrevia,
Escrevia:
Diários,
Contos,
Romances
E poesia.

II

Bicho da terra
Como se intitulava,
Ao que fazia
Conferia
Uma nobre
Dimensão ética.

Por isso,
Às vezes,
Dou por mim,
ainda,
A devorar
A sua obra
Poética.

III

Europeu
E universal,
Amou,
Profundamente,
Portugal!


 in FRAGMENTÁRIA MENTE, 2009





sábado, 18 de janeiro de 2014

DOMINGOS MALATO


     Domingos Malato, um rapaz da minha idade, nunca mostrou grande amor pelas coisas da escola, mas com catorze ou quinze anos já era um exímio jogador de sueca e de biscas, sim, que as biscas podem ser de três, de seis e dos nove. E já bebia mais do que muitos homens, como que confirmando o princípio de que quem sai aos seus não é de Genebra. Não era mau rapaz; porém, também não se pode dizer que fosse bom de assoar.

     Homem, jovem ainda mas já com uma calva apreciável, vi-o pela última vez numa festa da Mata, no já distante ano de 1978. Tínhamos ambos vinte e seis anos e os cardeais tinham elegido por esses dias o papa João Paulo I, que havia de morrer um mês depois. Mantinha as feições de sempre e aquele aspecto entroncado e maciço que sempre tivera.

     Cumprimentámo-nos cordialmente, mas sem grandes entusiasmos. Afinal de contas, apesar de termos sido amigos de infância e companheiros de sueca e matraquilhos, a falta de convivência acabou por fazer as suas mossas. Porém, nunca deixei de perguntar ao Ti Mendes Malato, pai do Domingos, com quem joguei também vezes sem conta à sueca e à bisca dos nove, por notícias do filho. E assim ia matando a curiosidade que ia persistindo.

     Não sei se casou, se tem filhos, a profissão que exerce. Saiu cedo para França e creio que só terá voltado a Portugal no pós-25 de Abril. Poucas vezes, ao que julgo saber. Em França continuará a viver e a ganhar a vida. Cabe inteirinho nestes retratos-quase, porque não podia deixar de fora o mais precoce jogador de sueca de que tenho memória. 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

 TI MNECAS




      Era um homem de estatura mediana, bem-disposto e cheio de energia. Possuía junta de vacas e gado ovino, que lhe conferia um estatuto de lavrador próspero. Dava trabalho a homens e mulheres da aldeia e não se esquecia dos familiares, que também tinham de fazer pela vida.
     Tinha uma tapada perto da nossa casa, ou melhor dizendo, no seguimento da nossa rua, onde tinha uma nora e muitas árvores de fruto. Lembro-me de duas figueiras enormes, conhecidas por figueiras estivais, que davam figos de S. João e da vindima, grandes e saborosos. Lembro-me também do alvanel através do qual se drenavam as águas, quando o Outono e o Inverno vinham mais chuvosos. Notava-se bem que havia por ali saber e fartura.
     De imaginação muito irrequieta, lembrou-se de fazer na propriedade uma enorme represa, a que nós chamávamos barragem, que permitia abundância de água para regar as árvores e as culturas serôdias. Foram dois dias de escavadora de lagartas, a que toda a gente chamava “caterpillar.
     E ali ficou um depósito de água de grandes dimensões, com nascente, e um montão de terra enorme. E tudo aquilo era muito giro, ou deveria ser, porque atraiu ao local muitas dezenas de adultos e crianças, que nunca tinham visto uma máquina tão trabalhadora.
     Ti Mnecas, lavrador com terrenos próprios e arrendados, tinha uma apreciável produção de trigo. Daí que na sua eira, a pouco mais de cem metros do cemitério da aldeia, todos os anos vinha a malhadeira, que era o nome que a debulhadora tinha na Mata, que operava o milagre de transformar os enormes rolheiros de trigo, ceifado por homens e mulheres, em semente pronta a moer e palha. Quando a malhadeira roncava na eira de Ti Mnecas, era grande a azáfama dos trabalhadores e a curiosidade da pequenada.
     Mais tarde, quando a lavoura se tornou pouco produtiva, Ti Mnecas ainda foi dono de uma carroça e de um macho, fazendo o transporte de pessoas da Mata para Castelo Branco e de Castelo Branco para a Mata, substituindo-se aos caros táxis, que as pessoas não podiam pagar.
     Era bom homem. E talvez por isso, não tenha tido vida longa. É que esta está reservada àqueles diabos que normalmente só sabem infernizar a vida dos outros. Ti Mnecas era empreendedor, como agora se diz, e deu pão a ganhar a muita gente.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

AO CONTRÁRIO DE REIS


     De mãos entrelaçadas, vamos, Marta, até à beira rio. E aproveitemos, quais hedonistas inveterados, a mansidão da tarde para nos amarmos, sôfregos, como velhos faunos, que as nossas vidas são breves e o tempo muito veloz.
     De mãos dadas, vamos, Marta, até à beira rio. E saibamos desfrutar todos os instantes, e, juntos, ouvir apenas o apressado bater dos nossos corações, indiferentes ao rio e a quem por nós passa.
    Amemo-nos, pois, uma e outra vez e outra ainda, para, quando o tal barqueiro vier separar-nos, de nada possamos lamentar-nos, nem de Amor sermos devedores.
     De mãos dadas, vamos, Marta, até à beira rio.

O POVO HÁ-DE RESSUSCITAR




Este orçamento canino,
Que destrói este país,
É obra de gente com tino,
Que sabe o que faz e diz.

Como é dura a nossa vida
- Isto assim nem é viver!-
Esta gentinha atrevida
Só nos quer empobrecer.

Estou farto desta tralha
Que depaupera o país.
Era tão bom que a maralha
Lhes apertasse o nariz.

A coisa vai dar pró torto,
Que certo não pode dar.
O povo parece morto,
Mas há-de ressuscitar.


domingo, 12 de janeiro de 2014


ACERCA DE MIM



Sou cigarra comedida,
Não me rendo à tristeza.
Oh, amo tanto a vida,
Tudo o que encerra beleza!

Nunca deixei que a tristeza
Tomasse conta de mim.
Lutei, lutei com firmeza
…E lutarei até ao fim.


in QUADRAS QUASE POPULARES, Ulmeiro, Lx., 2003

FERIDA
                            Com David Mourão-Ferreira na memória


Ah, dói tanto esta ferida
Que trago no coração.
É por te não ver, querida,
Que não tenho outra razão.

Preciso de te falar,
De te abrir o coração.
Não posso já abafar
A minha inquietação.

Tenho o veleiro ancorado
E sinto forte a aragem.
Vem amor tão desejado
Para esta nova viagem.

Vamos sulcar largos mares
À aventura e sem medo.
Quero mostrar-te lugares,
Contar-te um velho segredo.

Vem! Vamos neste veleiro,
Hoje, já, sem rota certa.
Vem meu amor feiticeiro

A porta está sempre aberta.
CONTAS VELHAS



Quando em Abril pressentiste
Tua vidinha a mudar,
Prá rua logo saíste
Para o comboio apanhar.

Bonito o Maio primeiro!
Era tanta, tanta gente:
O doutor e o engenheiro
O pedreiro e o servente.

Toda a gente de mãos dadas
(Oh, grande fraternidade!),
Bandeiras desfraldadas
E vivas à liberdade.

Uma vez para o retrato
Quem pode levar a mal?
Meu país de fino trato,
De seu nome Portugal.

O pior veio depois.
Contidas as emoções,
Chamou-se p’lo nome aos bois,
Foram muitas as traições.

in QUADRAS QUASE POPULARES, Ulmeiro, Lx,. 2003


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014


ABRIL SEMPRE


I
Abril vai passando, lento,
E com poucas emoções.
O país vive o momento
Dos pulhas e dos ladrões.

Meu Portugal videirinho,
Onde tanto se labuta,
Tudo metes no cuzinho
De certos filhos de puta.

Ergue a cabeça e explode,
Como naquele outro Abril
E verás que quem te fode
Vai de novo pró Brasil

Ou outro sítio qualquer,
Com a fortuna aumentada.
Até te leva a mulher,
Deixando-te cá sem nada.

II

Eu amo este belo país,
Que espera quem não vem.
Terra de gente infeliz
De olhar vago e sempre aquém.

Obediente aos tiranos,
Pouco preza a liberdade.
Passa séculos e anos
Muito atido à caridade.

Um povo quer-se viril
E capaz de fazer frente
Aos que por maroscas mil
O querem triste e indigente.

Eu sei que não fico bem
Em tão severo retrato.
Azar. Português também,

Não mereço melhor trato.