sexta-feira, 26 de julho de 2013

SOBRE A AMIZADE

 

       Até muito tarde, quando perdia um amigo, barricava-me no meu labirinto e vivia então momentos de verdadeira expiação e melancolia.
     Aprendi mais tarde – e só eu sei quão dura e longa foi essa aprendizagem! –, que as amizades podem ser duradoiras ou efémeras como as restantes coisas e sentimentos.
     Ao contrário de Narciso, só muito tarde aprendi a gostar de mim. Embriagado com os problemas dos homens e do mundo, sempre em movimento, fui também, até muito tarde, um território em permanente guerra civil, sem tempo e sem espaço para grandes congeminações.
     E não há qualquer contradição entre os tempos de expiação e melancolia e os tempos de guerra civil.
     Assinado o armistício, reconciliado comigo e com o mundo, encontrei tempo e espaço para pensar e amar (-me). Para descobrir, finalmente, que as amizades podem ser duradoiras ou efémeras como as restantes coisas e sentimentos.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

TANTO A SAUDADE ME RÓI

 
É tão subtil esta dor
-Ai, só eu sei quanto dói!-
Da separação, amor,
Que noite e dia me mói!

Roídos pela saudade
Correm dolentes os dias.
Nesta soturna cidade,
São poucas as alegrias.
 Dói-me tanto a tua ausência;
Só eu sei como me dói!
Chego a temer a demência,
Tanto a saudade me rói.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

TI JOAQUIM LEITÃO
                   Para o João Barata Leitão

     Um amigo meu, romancista, assevera num dos seus romances que todos os indivíduos nascem com uma queda qualquer. Eu acho que tem razão e acho até, que há indivíduos que nascem com várias quedas E outros, também, apenas para serem vítimas de quedas, entre as quais a do cabelo que deixa marcas irreversíveis.
     Ti Joaquim Leitão era um desses homens com várias quedas, e durante a vida teve muitas; porém, a sua queda para a pirotecnia ganhou a todas as restantes e foi como fogueteiro que se havia de distinguir. De fogo rijo, de rebentamento com estrondo, que, se possível, pudesse fazer-se ouvir nas aldeias das proximidades.
     Naquele ano, o S. João foi comemorado na noite de 23 de Junho como sempre, mas teve a particularidade de, para além das fogueiras e do tradicional bailarico, contar com a arte do pirotécnico Joaquim Leitão, que quis com o seu vasto saber abrilhantar os festejos do santo mais popular na Mata, apesar de S. Pedro ter capela, imagem com as conhecidas chaves do céu e ter direito a festa autónoma pela Páscoa. Hoje, já não com a regularidade doutros tempos.
     Ti Joaquim Leitão era de poucas falas. Distinguia-se por ser um homem de acção, ou seja, um fazedor, como os poetas tanto gostam de dizer. Muito magro, meão de altura como um tal Manuel Maria, usava quase sempre o seu fato-de-macaco, azul, e um boné que lhe protegia a calva do frio e do calor, do sol e da chuva. E até do vento.
     Naquele ano – por razões que desconheço -, o S. João foi festejado no largo do “Capelão”, Manuel Bernardo, que também emprestava a alcunha à taberna da qual era proprietário. O largo, que ainda não teria nome, era então muito diferente: o café do Fernando só surgiria décadas depois; e, no canto do terreno, havia uma figueira enorme, que dava sombra para a depois chamada rua de S. Sebastião. Jogava-se por ali muito ao fito, que era o nome dado ao chinquilho na nossa aldeia. E grupos de rapazes vinham beber o seu copito ao “Capelão”, que tinha uma filha jovem e que ajudava nas lides da taberna.
     Muito metido consigo mesmo, outros diriam ensimesmado, entrava na taberna, bebia o seu corpo de tinto no prata e voltava para casa, onde exercia a sua profissão de barbeiro, que os cabeleireiros só vieram mais tarde, quando os homens começaram a barbear-se em casa. E a ida à taberna do Prata, que depois também virou café, era frequente durante o dia, não fosse o vinho azedar.
      Naquela noite de S. João, com o largo cheio de homens e mulheres, rapazes e raparigas e garotada, foi grande a animação. Porém, esta festa genuinamente popular teve um epílogo de monta. “Atenção”!, pedia a organização, chegou a hora de arder a peça feita pelo ti Joaquim Leitão. E com a mesma solenidade era feito o aviso de que havia uma bojarda para rebentar no fim da peça. O artefacto começou a rodar, produzindo muito fumo e aquele cheirinho característico da pólvora. Por vezes era tanta a luz e de tantas cores, que havia pessoas que comparavam esta peça de pirotecnia com o céu aberto. Tal era o deslumbramento popular!
     E como tudo tem de ter um fim, ouviram-se alguns silvos prévios e momentos depois o grande estrondo. Houve quem garantisse que as casas tremeram e que o som do rebentamento se ouvira na ribeira a vários quilómetros de distância. Eu guardei apenas o sorriso esfíngico de ti Joaquim Leitão, que, na juventude, teria lido o “Livro de S. Cipriano”.
    

quarta-feira, 17 de julho de 2013

TI JOAQUIM ROLO
                                Para o Quim Marques

      Ti Joaquim Rolo foi homem de vários ofícios: trabalhador rural, moleiro, trabalhador rural, ajudante de pedreiro. Trabalhou até muito tarde; e, quando partiu, deixou as contas saldadas com o trabalho. Primo direito do meu avô materno, sempre o tive na conta de um parente.
     Fumador inveterado, mal pressentia a malta nova nas escadas da igreja da Mata, pela madrugada dentro, aparecia imediatamente para saciar o vício e conversar com os mais novos.
     Nunca teve uma palavra desagradável com os rapazes do meu tempo, que tínham idade para ser seus netos. Acolhíamo-lo com carinho e, não raramente, oferecíamos-lhe do que tínhamos par molhar a garganta. E ti Joaquim Rolo não se fazia rogado, porque sempre gostou do seu copinho.
     Calças de agrim, camisa branca de meia manga, sandálias e boné, era a indumentária de verão deste homem de meia altura, magro, voz rouca e marcas de varicela no rosto, que nunca perdeu o hábito saudável de rir e brincar.
     Certo dia, aproximou-se de mim e, com a humildade dos homens simples, pediu-me para lhe escrever uma carta para França, sim, que ainda teve tempo para ser emigrante, durante alguns anos. Para a Caixa Nacional de Reforma Operária, a fim de dar cumprimento a algumas formalidades que lhe foram exigidas. Eu só lhe podia dizer que sim e a carta foi escrita, no próprio dia ou no dia seguinte.
     Ti Joaquim Rolo, fumador inveterado, arranjou uma forma muita sua de me agradecer. Sendo eu também viciado no consumo de tabaco, ofereceu-me o melhor dos isqueiros da minha vida: um isqueiro da marca flaminaire, doirado, com o qual acendi milhares de cigarros.
     Porém, esse isqueiro doirado, da marca flaminaire, que o velho Farinha – uma alcunha proveniente da antiga profissão de moleiro e que havia de ser transmitida ao seu neto Quim Marques - me ofereceu com carinho, não se fez velho nas minhas mãos. Perdi-o numa tarde de verão, no Ninho do Açor, onde fui jogar futebol com outros jovens da  Mata. Ficou no meio da caruma do pinhal onde nos equipávamos, porque o campo do Ninho do Açor não tinha balneários. O isqueiro caiu silencioso e lá ficou.
     E comigo ficou a mágoa de ter perdido o isqueiro flaminaire, o meu “flaminaire” doirado, que me fora oferecido generosamente pelo amigo, e ainda parente, Joaquim Rolo.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

PARIS


Chamam-lhe a cidade luz,

Mas que luz tem a cidade?

Que fascínio seduz

Quase meia humanidade?

 

Oh, grande e bela Paris!

Oh, generosa cidade!

Não, não se engana quem diz,

Que deixas sempre saudade!

 

Um café no Luxembourg,

Descer o Saint Michel,

Os faquires no Baubourg,

Namorar na Torre Eiffel.

 

Confesso que fui feliz,

No tempo que lá vivi.

Oh, doce e gentil Paris,

Como é bom gostar de ti!

 

 

 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Pátria, Amor, Fidelidade



Pátria, Amor, Fidelidade,
outros nomes não conheço;
sou alma em fuga que há-de
ir morrer ao velho berço.


De amor fiz-me quantos dias;
o som pátria permitia;
e se mais tiver que andar
atrás dele nela seja:


que sempre cai a cereja
sob o seu ramo; apesar
das terríveis ventanias.


Assim, Pátria, me protejas,
ou Amor, no teu olhar.
Paz às almas fugidias.


Ernesto Rodrigues, "DO MOVIMENTO OPER´RIO E OUTRAS VIAGENS", âncora, Lx., Junho, 2013.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

QUADRAS DEDICADAS A VÍCTOR GASPAR



O bom ministro Gaspar
Sabe contar muito bem.
Sabe ordenados cortar
E subir os preços também.

O sonsinho do Gaspar
Jamais expressa emoções.
Só fala em cortar, cortar,
Para dar aos galifões.

Este Gaspar dos cifrões
Não sabe literatura.
O outro sabia, o Simões,
E não era casca dura.

Gaspar na televisão
Augura sempre desgraça.
Com cara de sacristão
Vai-nos à fazenda e à massa.

Este homem tem um fito:
Depenar o nosso povo.
Dele fizeram um mito,
Mas não trouxe nada novo.

 A mezinha de Gaspar
Pra tratar de Portugal
Só nos trouxe mal-estar
E um desânimo brutal.

Que o homem vá prò Japão
Ou prà Guiana francesa.
Em Portugal é que não
Porque deixa a malta tesa.

Correm os dias tão tristes,
Neste país à beira mar.
Só redijo novos chistes
Para dizer a Gaspar.

APONTAMENTOS

     Hoje está claro que foi a sede e a fome de se lambuzar no pote do poder que levou o PPD-PSD a chumbar o PEC-IV. Bem sei que o PS e Sócrates estavam descredibilizados, mas a aprovação do PEC-IV podia ter sido um dos caminhos a seguir, a fim de evitar a vinda da “troika”. O caso da Espanha é elucidativo.
     Havia um ódio enorme na sociedade – e também nos órgãos cimeiros do Estado -, em relação a Sócrates. E os aldrabões tanto falaram das mentiras de Sócrates e das suas intenções de bem-fazer e transparência que conseguiram endrominar o povo.Com os resultados que estão à vista.

*
     Victor Gaspar quis saber dos contratos “swap” e Teixeira dos Santos deu-lhe as pastas(?) e as informações; porém, na ânsia de escrever a narrativa do desvio colossal, esqueceu-se daqueles virtuosos contratos. E foi tal o esquecimento, que até após as demissões de secretários-de-estado deste governo, nunca se lembrou de ter conversado com Teixeira dos Santos. E deixou fazer aquele papel mentiroso à sua, certamente verdadeira e transparente, secretária-de-estado, numa audição na Assembleia da República.
     É o vale tudo com o propósito de descartar responsabilidades próprias. Este Gaspar, e demais membros da governação, deveria ir para a mobilidade especial, para a requalificação ou para uma dessas invenções em que o seu governo é fértil.