quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

MARTIM MONIZ

O mundo inteiro
-E as suas misérias –,
Numa só praça.

Verdadeira Babel,
À qual o odor do caril
Confere um toque
Marcadamente
Oriental.
JARDIM ZOOLÓGICO
                   A António Osório
WIKIPÉDIA: foto de Olvaldo Gago

O Jardim Zoológico
É a outra Penitenciária
De Lisboa.

Onde, para gáudio
Dos visitantes,
Cada prisioneiro
Usa roupa própria.

PARQUE DAS NAÇÔES
Gosto dos jacarandás floridos
E de todos os espaços
Não construídos.

Gosto da ponte
E da beira Tejo,
Onde te espero
Para mais um beijo.
POÇO DO BISPO
 Imagem de ed. de interesse municipal(NET)
Já não há
Abel Pereira da Fonseca.

Ao Poço do Bispo,
Chegou a seca.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

NÃO ME VENHAM DIZER A MIM                                
                                                        A Rafael Albertí


Não me venham dizer a mim
Que já não há milagres!...


Inda na pretérita segunda-feira,
o milagre aconteceu,
quando à infância regressei,
no sabor duma laranja.


Foi na Mata, minha aldeia natal,
Onde as laranjas
São suculentas e doces
Como as laranjas de Jafa.

Não me venham dizer a mim,
Que já não há milagres!...

A rosa e o amor

Ascendo à rosa. Seu mistério é tudo
a que pode aspirar a alma desperta,
nestes instantes em que assisto, mudo,
meu coração que uma saudade aperta.

Não me cansei de amar, mas não me iludo:
o amor traz sempre uma amargura inserta.
E quanto mais eu amo e mais o estudo
mais me surpreendo a cada descoberta.

Tem pétalas, perfume, algum veneno,
tem sombra e cor, é de mistério pleno
e tem espinho: o amor é a rosa em mim.

Mas a rosa é esplendor enquanto existe,
ele não torna a natureza triste
ao desfazer-se. Seja o amor assim.

Ribeiro, Wagner, Sonetos, Aracaju-SE, Edição do autor, 2012 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013


ENTRE VÓS ALVORECI
Entre vós
Alvoreci
Num dia
de Junho.

Menino ainda
Num vaivém
Andei,
Entre a aldeia
E a cidade.
Mais tarde,
Muitas foram
As ausências.
Porém, nunca
Se desvaneceu,
Em mim,
O desejo
De voltar.

Na verdade,
Estive sempre,
Entre vós,
Apesar de Penélope
Não estar aí,
Sozinha
E ameaçada.


UM DIA NUMA VIDA
                                                                   wikipédia
Foi em 4 de Fevereiro. Era de 1975. Luanda.
À hora em que o sol se cola à pele
E os corpos pedem a clemência da sombra,
As ruas transbordaram de cor, cânticos e danças.

Neto, o da Sagrada Esperança, regressara
E, na escassa bagagem, só trazia sonhos.

Sonhos!, esse incrível alimento de que vivem as nações!

TEORIA DA QUADRA

Uma quadra bem urdida,
Em dia de inspiração,
Pode, se for atrevida,
Causar dano até mais não.

Eu quero estar sempre a salvo
Dos efeitos de uma quadra.
Tiro certeiro no alvo,
Faz pior que o cão que ladra

Em tempos de roubalheira,
Uma quadra pode ser
A espingarda mais certeira
Para os piratas vencer.

Quatro versos podem ter
Um final devastador.
É por isso, ‘stá-se a ver,
Que a quadra exige rigor.

O governo da nação
Governa contra o país.
Nega a constituição
Ignorando o que ela diz.


Este governo trinta e três
Tem almas do outro mundo
Pelo que faz, bem se vê,
Que mer’cia ir ao fundo.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

FALAR DE AMOR

Não esperemos mais,
Amor,
Que os nossos lábios
E os nossos dedos
Já nos deram
Os necessários sinais.

Façamos tudo de novo.
Mais uma vez
E outra ainda,
Com a serenidade dos sábios.

Não esperemos mais.
SONETO PORTUGÊS


Mandantes de manhosos desconhecidos
Mandam o meu povo emigrar.
Vulgares predadores, sozinhos, querem
Tudo à pátria sofregamente sugar.
Arvoram-se, quais teólogos medievais,
Em donos de Portugal e da Verdade.
Crêem ter descoberto a pedra filosofal
E gritam como doidos: privatizar.
Estranha gente está ao leme deste navio
- Gente sem ciência e humanidade -,
Por mesquinhos interesses movida!
Tudo suga de supetão, vorazmente,
E tal é a estupidez, cegueira ou atrevimento
Que sugere ao povo a porta de saída.
À BONITA PRAÇA DO AREEIRO

À bonita Praça do Areeiro
Deram, há anos, um nome novo.
Sá Carneiro é o dito.
Esqueceram-se os admiradores
Do admirável estadista
Que o admirável povo,
Sorna e rotineiro,
É avesso a pequenas e grandes mudanças.
E por isso, a buliçosa e bonita Praça
Continua a ser do Areeiro.

O nome novo só existe, portanto,
Nos endereços postais e vagamente,
Na memória Dos inestimáveis carteiros.

Definitivamente.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

AMAR

É estar sentado,
Contigo,
À porta da nossa casa
Numa noite de Verão.

E ao luar,
Absorto
No voo
Dos meus pensamentos,
Comer tâmaras,
Em paz.


        E saber,
        Amor,
        Que esperas
        Que a brisa passe
        E eu procure,
        Ternamente,
        A tua face.

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 18 de Fevereiro de 2013 – O meu falecido pai, que todos os dias, de um modo ou outro, faço reviver, teve diversas profissões: pastor, assalariado agrícola, pedreiro, assalariado num grande centro de jardinagem, novamente pedreiro e, por fim, agricultor por conta própria. Começou aos sete anos de idade, descalço, a guardar rebanhos e só disse não à terra, aos setenta e tal, quando a doença o impediu de a cultivar. Trabalhou em Portugal e em França, morreu de consciência tranquila e de contas saldadas com a Pátria.
     Ouvi nos diversos noticiários, de ontem e também de hoje, que o Doutor Miguel Relvas, um dos nossos iluminados governantes, sugeriu aos jovens, num encontro de jovens, o regresso à agricultura. Curiosamente, o meu pai, que era Doutor só de alcunha, sempre previu o regresso à terra como panaceia para os problemas nacionais. E a ela regressou, com quase cinquenta anos, para, durante mais vinte e cinco, dela fazer brotar frutos doces e suculentos, saborosos legumes e hortaliças. Bucólico por natureza, meu pai foi coerente consigo mesmo até ao derradeiro momento da sua vida.
     Desconhecendo os saberes do Doutor Relvas, que não hão-de ser muitos, tendo em conta o que se sabe do seu percurso académico, creio que lhe fazia bem uma passagem pela agricultura. Lavrar, podar, colher, semear, pulverizar, enxertar, apanhar, regar, etc., talvez lhe conferissem autoridade para aconselhar os jovens. E depois, vistas bem as coisas, sempre saberia conjugar verbos diferentes de cortar e emigrar.
Boa tarde.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

NÃO TE POSSO ASSEGURAR

Não te posso assegurar
Que tudo volte a ser bom.
Já deixei de ter certezas;
Já não posso ter certezas;
Apendi a não ter certezas.

Poderemos sempre ouvir
O rumorejar das ondas,
Num paredão, junto ao mar;
Tomar ‘ma calma cerveja
Noutro sítio qualquer;

Ou, ainda, contemplar,
Do alto de uma falésia
E antes de a noite chegar,
Das alvas ondas a espuma 
E lembrar dias felizes.

Talvez possamos ficar
Calados e de mãos dadas,
Até ao alvorecer,
Pra de novo contemplarmos
As alvas ondas e o mar.


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

HÁ MUITAS VOZES NA MINHA VOZ
              Para o Vítor Morais, meu amigo.

Há muitas vozes na minha voz
E de todas o timbre reconheço:
Alegres umas, outras tristes,
Todas límpidas e harmoniosas.

Há muitas vozes na minha voz:
A de meu pai sempre presente
- Não a de minha mãe, curiosamente –
E as dos poetas que mais amei.

Há muitas vozes na minha voz
E de todas elas gosto por igual.
No cerzir do verso tento ignorar a mescla;
E, humildemente, procuro ser original.





quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

GOSTA O POVO DESTA MALTA
                              Ao João Teixeira

Gosta o povo desta malta
De falajar fluido e forte;
Faz vénias aos da alta,
Aos do Sul e aos do Norte.

Vive sempre acocorado
Face à gajada do mando.
Fica em casa acagaçado,
Só reage de vez em quando.

Aceita o roubo e a pobreza
Como coisa natural.
E consente que a esperteza
Vá mandando em Portugal.

Venera beatos e santos
Aos quais roga protecção.
Adora rezas e prantos
E andar de chapéu na mão.

Um dia há-de acordar.
Precisa de um abanão
E aposto que há-de lutar
E à canalha dizer não.

Se lava ou não no rio,
É coisa de pouca monta.
Antes o qu’ria com brio,
Força, coragem e ponta!

 in FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009
DOLORES 

Inda rosa em botão,
Ferida no coração,
Dolores corria,
Dolores voava.


Inda flor a desabrochar,
Com o coração a sangrar,
Dolores corria,
Dolores voava.


Ferida no coração,
Cantava em seu balcão,
Dolores corria,
Dolores voava.


Com o coração a sangrar,
Pungente no seu cantar,
Dolores corria,
Dolores voava.


Cantava em seu balcão
Fascistas no pasaran.
Dolores corría,
Dolores voava.


 DOLORES -II


“No pasaran!”,
Dizia ela
Indomável
Na ânsia de vencer.


“No pasaran!”.
Dizia ela
Com a bravura
Da torrente do rio
No auge da tempestade.

“No pasaran!”,
Dizia ela...


DOLORES -III

Quem guardará memória
Do seu discurso de fogo?

Quem guardará memória
Da sua vontade inquebrantável?

Quem guardará memória
Da sua grandeza intangível?

Quem?

in FRAGMENTÁRIA MENTE, 2009. 







EU SÓ QUERIA

Eu só queria, amor,
Voltar a ter aquele rosto antigo
Onde poisava a luz
Dos dias felizes.

Aquele rosto sem vincos
E cicatrizes, amor,
E a alegria dos dias
De verão,
Que tão arredia anda
Do meu coração.

Eu só queria…